domingo, 18 de julho de 2010

Onde amarrar o seu burrico?


Acho engraçados os fatos econômicos do dia a dia que ocorrem e que poucos se dão conta ou parecem não perceber que são consequências econômicas naturais das leis que tentam conduzir os indivíduos para determinados fins, mas que acabam tendo consequências paralelas curiosas.

Hoje li uma matéria da Folha de S. Paulo que enumerou o crescimento de motos e veículos nas cidades brasileiras, assim como levantou os municípios que têm mais carros por habitantes, a maioria dos pequenos municípios têm mais motos do que carros. O curioso é que os três primeiros lugares foram três municípios nanicos: Santa Bárbara do Monte Verde-MG, Rio Preto-MG e Bom Jesus do Norte-ES. Nenhum desses municípios tem concessionária de veículos ou possui alguma fábrica. Então, o que explica cada um deles ter, respectivamente, 187, 135 e 122 carros por habitantes?

A reportagem bem observou que estão todos perto da divisa com o Rio de Janeiro e possuem agência do DETRAN. Os proprietários fluminenses evitam pagar mais caro pelo emplacamento e IPVA registrando seus veículos em Minas e no Espírito Santo, onde essas taxas são mais baratas e não se paga pelo emplacamento. As pessoas reagem muito bem a esses incentivos.

Há outros exemplos curiosos dessa perseguição dos impostos aos cidadãos e os jeitinhos que as pessoas dão para escapar deles em todo o mundo. Ainda em Minas Gerais, o município de Manuaçu procurava uma maneira de cobrar IPTU diferenciados a pessoas com diferentes condições. Acreditou-se que uma solução fácil para isso seria cobrar menos pelas casas sem reboco, já que geralmente esse é um item de precariedade de um domicílio. Quem não possuia reboco pagava menos IPTU. O curioso é que não muito tempo depois muitas das casas de Muriaé não tinham mais reboco. As pessoas passaram a considerar se valia a pena ter uma casa com superfície lisa ou de tijolos aparentes contra o inconveniente de pagar mais impostos. Concluíram que tijolos à mostra não são tão feios assim.


Famoso exemplo de livro-texto são as casas com janelas tijoladas em Bath na Inglaterra, veja um pequeno trecho do livro de Stiglitz and Walsh (2003, p. 80): "A cidade inglesa de Bath (que significa banho em inglês) já existia antes da ocupação das Ilhas Britânicas pelos romanos. Está situada em um lugar onde há fontes naturais de águas termais, e, por esse motivo, os romanos ali instalaram termas. No final do século XVIII e ínício do XIX, a cidade tornou-se popular entre os abastados.

Um dos traços marcantes da cidade são as belas paredes de tijolo em muitos dos edifícios. Mas o que também chama a atenção é a quantidade de casas com janelas fechadas com uma parede de tijolos. A explicação para essas janelas emparedadas ilustra como os impostos afetam os incentivos e o comportamento das pessoas."

Pois bem, no século XVII, nessa cidade, e em outras da Inglaterra, o rei de plantão observou muito bem que as casas dos ricos eram muito grandes e que casas muito grandes possuem muitas janelas, então, achou que seria uma boa idéia tributar a riqueza por meio do número de janelas que os moradores tinham. Pois bem, novamente, as pessoas consideraram se realmente valia a pena ter de pagar tantos impostos para o governo. Algumas concluiram que não precisavam de tantas janelas assim, e que janelas tijoladas possuem um certo charme ...

Outro exemplo é também caso emblemático que retiro do livro "Economia Sem Truques" de Eduardo Golçalves e Bernardo Guimarães (2008). Em Nova Orleans, terra do Jazz, nos Estados Unidos, existem curiosas casas chamadas casas "camelo", são casas estreitas nas fachadas e compridas em profundidade, normalmente com um segundo andar começando depois da entrada principal ou do alpende (infelizmente algumas dessas casas foram destruídas após o furacão). As casas de Nova Orleans não derivam de um gosto esquisito dos habitandes da cidade, mas sim de um desgosto já mundialmente manifestado: o desgosto de pagar impostos. Então, em Nova Orleans, os impostos eram cobrados por um segundo andar de faixada e largura da entrada, uma casa larga e de dois ou mais andares só pode ser uma mansão não é mesmo?!

Dizem que em Paraty-RJ e em muitas casas de cidades históricas de Minas existem as edificações de telhados com Eira, beira e Tribeira. Os mais pobres não tinham nem eira nem beira. Isso era ostentação do povo de Portugal, mas viesse um político tributar as tribeiras, ficaria todo mundo sem eira nem beira novamente.

Enfim, os exemplos não acabam, esses exemplos das casas são os mais permantes pois contam uma história que ficou naquele lugar por conta dos impostos, há vários outros exemplos que se perdem com o tempo que vão desde o papel que já foi usado nos livros até a presença de tanques a gás nos veículos. Todos eles nos ensinam uma lição: a de que pessoas não são necessariamente pouco civilizadas, de mau gosto ou seja lá o que for, elas simplesmente respondem aos incentivos (monetários ou não), ninguém gosta de deixar dinheiro para os governos, pois apesar de gastar com algumas coisas que todos concordamos serem boas, os governos gastam muito com coisa que, na verdade, não precisamos, ou sobre a qual temos uma opinião diferente da maioria. De maneiras que é preciso pensar muito bem na hora de sacar uma lei para tributar as pessoas, principalmente aquelas leis que envolvem um comportamento que pode ser alterado diante dos impostos.

2 comentários:

Salime Hadad disse...

Gostei muito do seu texto, muito bem escrito e agradável a leitura.
Na política com na vida tem que se pensar que lidamos com seres humanos, com muita facilidade para adaptação.
Salime Hadad

I'm a Rock disse...

Salime, muito obrigado por ter gostado. Ainda assim, quando eu retorno aos textos, acho sempre uma coisa ou outra para consertar. Esse mesmo, já corrigi pequenos erros agora. E, sim, a capacidade de adaptação é impressionante e nunca podemos desconsiderar o seu poder de mudar a realidade, tanto pelos bons quanto pelos maus motivos.