A "Voz do Brasil" possui como abertura a ópera mais famosa de Carlos Gomes (O Guarani). Em anos recentes, a abertura foi trocada por uma releitura menos romântica e mais contemporânea, ficou realmente interessante, remete mesmo às raizes indígenas da obra.*
Tendo em vista o projeto de flexibilização da voz do Brasil, aprovado pelo senado no dia 07 de Julho, comento aqui minha opinião sobre o assunto:
O princípio da voz do Brasil não é liberal nem eficiente do ponto de vista econômico. Vou discutir por partes esses dois pontos.
1. A voz do Brasil possui obrigação de ser veiculada no horário de 19h de Brasília por todas as rádios legalmente registradas do país. Esse princípio data de 70 anos atrás, da Era Vargas, naquela época não havia rádios de grande difusão nacional, muito menos a TV, a comunicação era difícil, assim como era difícil a veiculação das decisões da república. Há 70 anos atrás fazia sentido a transmissão de notícias oficiais por meio de rádio, e tanto melhor que tivessem um horário fixo e uma cobertura ampla. Pois bem, este princípio perdurou ao longo de todos esses anos. Hoje a veiculação obrigatória é no mínimo anacrônica, é uma forma de conseguir um público mais amplo para o programa de noticias oficiais.
Porém, apesar de a retransmissão ser obrigatória, ainda não inventaram um meio da audição ser obrigatória. O fato de a voz do Brasil ser transmitido em todas as rádios não deixa opção para o ouvinte trocar de rádio. Estar sem opção do que ouvir na rádio aberta já não é uma coisa boa, mas isso não significa que não há outras opções para seus ouvidos. A mais simples delas pode ser desligar o rádio no horário do programa. Outra, muito comumente usada nas cidades (eu saio do trabalho na hora da voz e tenho observado o que as pessoas ouvem em seus veículos no horário), é simplesmente colocar os k7-players, cd-players, mp3 players, para tocar músicas de preferência do motorista. Costuma-se apresentar-se como contra-argumento a audiência no interior seja a mais importante para o programa. Não duvido muito de que isso possa ser em parte verdade, já que em muitas áreas de interior o acesso de comunicação é difícil. Mas de outra parte, é um subterfúgio muito fácil dizer que a audiência ocorre no interior em áreas vagamente identificadas.
Um olhar agudo sobre essa justificativa do público rural não se sustenta, é um motivo fraco para manter o princípio ruim da obrigação. Quer dizer então que os 81% cidadãos das cidades não têm escolha para que os 19% de habitantes do meio rural possam ter acesso ao programa?
Existe um arranjo para a voz do Brasil que não impõe a obrigação, ele deriva da simples pergunta a que me fiz um dia:
"Com qual das maneiras a voz do Brasil conseguiria maior público?"
a) Mantendo a obrigação de uma hora em todas as rádios.
b) Veiculando o programa 24h por dia em uma única rádio.
Para responder a essa pergunta podemos medir o tempo de veiculação. Não sei ao certo quantas rádios registradas e ativas possui Belo Horizonte. Mas digamos que haja 50 rádios, registradas e em funcionamento na cidade. O tempo de exposição da opção 'a' ganha 50h de radiação contra 24h da opção 'b'. Então, é bem certo que a opção de obrigação alcance mesmo um maior público. Porém, ela se baseia em um princípio ruim, enquanto que a segunda deixa à escolha do ouvinte o horário de conveniência e o gosto.
Ademais, acrescenta-se que tempo de radiação não é o mesmo que tempo de audição. As 50h de exibição da primeira opção são todas concentradas em um horário de 19 às 20h. Imagine agora que 20 pessoas não gostem de ouvir a rádio (mas a aturam por uma hora) e que outras 10 pessoas gostam muito de ouvir o programa e desejariam ouví-lo por 3 horas se pudessem, mas têm de se contentar com apenas uma hora no formato atual.
Nesse esquema acima, a opção 'a' oferece 30 pessoas/hora de audiência (20 que não gostam + 10 pessoas que gostam). Porém, observe que a opção 'b' oferece as mesmas 30 pessoas/hora, porém só entre aquelas pessoas que realmente gostam do programa (3h*10 pessoas, supondo que as demais estão ouvindo outras rádios).
Se tantas pessoas gostam da voz do Brasil como alguns deputados e senadores veiculam, eles não deveriam temer a opção 'b'. Aliás, se é realmente assim, a voz do Brasil pode ter uma audiência maior no método 'b' do que no método 'a', se supusermos que aquelas 20 pessoas que não gostam podem optar por desligar a rádio. Há mais alguns pontos que tornam a 'b' mais vantajosa e serão abordados no ponto 2 a seguir.
2. A voz do Brasil não é eficiente do ponto de vista econômico. Eficiência quer dizer gerar a maior riqueza possível com mínimo recursos factível, geralmente isso está em linha com a preferência dos cidadãos. A voz do Brasil ocupa o horário nobre das rádios. Hoje em dia as rádios estão mais associadas ao ouvinte de automóvel e esse tempo de audição está associado ao tempo de trânsito (é claro que diferentes rádios possuem diferentes públicos, mas em geral os horários mais bem pagos estão entre 7 e 9 da manhã, 11 a 13 no horário de almoço e entre 17:30 até 21 horas da noite). Pois bem, a voz do Brasil não gera dinheiro e como é uma empresa pública sem fins lucrativos, se mantém com dinheiro do contribuinte. Além disso não enfrenta competição pois possui horário cativo. Ou seja, a EBC não sofre a pressão da concorrência para melhorar seus serviços.
Para ver como o país mudou, há cerca de 20 anos o Brasil não possuia rádios destinadas à veiculação de notícias. Eu era bem novo na época em que começaram as primeiros rádios nesse sentido. Minha primeira impressão seria de que essas rádios de notícias full time não dariam certo, pois à comparação que eu tinha na época era a Voz do Brasil. Hoje existem várias rádios que veiculam apenas notícias, mostrando que a iniciativa deu muito certo. Ao se comparar uma mesma notícia veiculada pela EBC e uma rádio aberta, fica clara a diferença de linguagem entre as duas. Como a primeira não sofre concorrência, mesmo que exista preocupação com a qualidade, as pressões para melhoria do serviço são mais fracas, pois não estão ligadas à sua rentabilidade, em outros casos ela tem de passar uma notícia oficial, o que na grande maioria dos casos não é a notícia completa. Para as empresas de capital privado, ou a rádio faz a notícia ser crível e interessante ou ela perde o seu público.
No mais, acho o projeto de flexibilização muito ruim, ele não resolve o problema por completo. Para mim, o mais correto é ter uma rádio veiculando as notícias do legislativo, do judiciário e executivo o dia inteiro, mais ou menos nos moldes da já existentes TV câmara e TV senado. Assim o cidadão decidiria se quer ouvir a rádio na hora em que quiser. Para desonerar o bolso do contribuinte, essa rádio poderia ser mantida com o dinheiro público tal como já é feito, mas poderia ser também aberta ao capital dos anunciantes (pode ter um código de ética para os anúncios veiculados). É muito importante o aporte variável de recursos, é ele que dá o tônus da audiência. Dessa maneira a rádio não impigiria um horário obrigatório à população, passaria pelos benefícios da concorrência e verteria renda do horário para ela e as demais rádios (já que as outras não estão mais presas à veiculação obrigatória).
E quem sabe dessa forma a Voz do Brasil não tivesse maior sintonia e apreço do público.**
* A ópera do Guarani foi baseada na obra de mesmo nome escrita por José de Alencar. Uma das críticas ao romance de José de Alencar é que que ele não seria autêntico, importava um heroísmo de cavalaria e o transplantava para o Brasil, desse modo, o Índio Guarani agiria mais próximo de uma conduta ética e apaixonada de um europeu do que de acordo com uma ética realmente indígena. Sobre à obra hoje veiculada, de acordo com o site da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação: "“O Guarani” foi remixado ao ritmo de forró, samba, choro, bossa-nova, capoeira, moda de viola e até techno. E o tradicional “Em Brasília, dezenove horas” foi substituído por “Sete da noite, em Brasília”, sinal da opção pela linguagem mais simples, usual e em tom de diálogo."
** Na data de hoje, 24/07/2010, a comunidade de pessoas do orkut que dizem odiar a voz do Brasil conta com 62.560 pessoas. A comunidade de pessoas que gostam do programa tem 1.072 membros. Pesquisas de internet são péssimas pois são pouco representativas, valem mais à título de curiosidade.
*** Mesmo assim, faço uma pesquisa para saber da opinão dos leitores do blog.
Tendo em vista o projeto de flexibilização da voz do Brasil, aprovado pelo senado no dia 07 de Julho, comento aqui minha opinião sobre o assunto:
O princípio da voz do Brasil não é liberal nem eficiente do ponto de vista econômico. Vou discutir por partes esses dois pontos.
1. A voz do Brasil possui obrigação de ser veiculada no horário de 19h de Brasília por todas as rádios legalmente registradas do país. Esse princípio data de 70 anos atrás, da Era Vargas, naquela época não havia rádios de grande difusão nacional, muito menos a TV, a comunicação era difícil, assim como era difícil a veiculação das decisões da república. Há 70 anos atrás fazia sentido a transmissão de notícias oficiais por meio de rádio, e tanto melhor que tivessem um horário fixo e uma cobertura ampla. Pois bem, este princípio perdurou ao longo de todos esses anos. Hoje a veiculação obrigatória é no mínimo anacrônica, é uma forma de conseguir um público mais amplo para o programa de noticias oficiais.
Porém, apesar de a retransmissão ser obrigatória, ainda não inventaram um meio da audição ser obrigatória. O fato de a voz do Brasil ser transmitido em todas as rádios não deixa opção para o ouvinte trocar de rádio. Estar sem opção do que ouvir na rádio aberta já não é uma coisa boa, mas isso não significa que não há outras opções para seus ouvidos. A mais simples delas pode ser desligar o rádio no horário do programa. Outra, muito comumente usada nas cidades (eu saio do trabalho na hora da voz e tenho observado o que as pessoas ouvem em seus veículos no horário), é simplesmente colocar os k7-players, cd-players, mp3 players, para tocar músicas de preferência do motorista. Costuma-se apresentar-se como contra-argumento a audiência no interior seja a mais importante para o programa. Não duvido muito de que isso possa ser em parte verdade, já que em muitas áreas de interior o acesso de comunicação é difícil. Mas de outra parte, é um subterfúgio muito fácil dizer que a audiência ocorre no interior em áreas vagamente identificadas.
Um olhar agudo sobre essa justificativa do público rural não se sustenta, é um motivo fraco para manter o princípio ruim da obrigação. Quer dizer então que os 81% cidadãos das cidades não têm escolha para que os 19% de habitantes do meio rural possam ter acesso ao programa?
Existe um arranjo para a voz do Brasil que não impõe a obrigação, ele deriva da simples pergunta a que me fiz um dia:
"Com qual das maneiras a voz do Brasil conseguiria maior público?"
a) Mantendo a obrigação de uma hora em todas as rádios.
b) Veiculando o programa 24h por dia em uma única rádio.
Para responder a essa pergunta podemos medir o tempo de veiculação. Não sei ao certo quantas rádios registradas e ativas possui Belo Horizonte. Mas digamos que haja 50 rádios, registradas e em funcionamento na cidade. O tempo de exposição da opção 'a' ganha 50h de radiação contra 24h da opção 'b'. Então, é bem certo que a opção de obrigação alcance mesmo um maior público. Porém, ela se baseia em um princípio ruim, enquanto que a segunda deixa à escolha do ouvinte o horário de conveniência e o gosto.
Ademais, acrescenta-se que tempo de radiação não é o mesmo que tempo de audição. As 50h de exibição da primeira opção são todas concentradas em um horário de 19 às 20h. Imagine agora que 20 pessoas não gostem de ouvir a rádio (mas a aturam por uma hora) e que outras 10 pessoas gostam muito de ouvir o programa e desejariam ouví-lo por 3 horas se pudessem, mas têm de se contentar com apenas uma hora no formato atual.
Nesse esquema acima, a opção 'a' oferece 30 pessoas/hora de audiência (20 que não gostam + 10 pessoas que gostam). Porém, observe que a opção 'b' oferece as mesmas 30 pessoas/hora, porém só entre aquelas pessoas que realmente gostam do programa (3h*10 pessoas, supondo que as demais estão ouvindo outras rádios).
Se tantas pessoas gostam da voz do Brasil como alguns deputados e senadores veiculam, eles não deveriam temer a opção 'b'. Aliás, se é realmente assim, a voz do Brasil pode ter uma audiência maior no método 'b' do que no método 'a', se supusermos que aquelas 20 pessoas que não gostam podem optar por desligar a rádio. Há mais alguns pontos que tornam a 'b' mais vantajosa e serão abordados no ponto 2 a seguir.
2. A voz do Brasil não é eficiente do ponto de vista econômico. Eficiência quer dizer gerar a maior riqueza possível com mínimo recursos factível, geralmente isso está em linha com a preferência dos cidadãos. A voz do Brasil ocupa o horário nobre das rádios. Hoje em dia as rádios estão mais associadas ao ouvinte de automóvel e esse tempo de audição está associado ao tempo de trânsito (é claro que diferentes rádios possuem diferentes públicos, mas em geral os horários mais bem pagos estão entre 7 e 9 da manhã, 11 a 13 no horário de almoço e entre 17:30 até 21 horas da noite). Pois bem, a voz do Brasil não gera dinheiro e como é uma empresa pública sem fins lucrativos, se mantém com dinheiro do contribuinte. Além disso não enfrenta competição pois possui horário cativo. Ou seja, a EBC não sofre a pressão da concorrência para melhorar seus serviços.
Para ver como o país mudou, há cerca de 20 anos o Brasil não possuia rádios destinadas à veiculação de notícias. Eu era bem novo na época em que começaram as primeiros rádios nesse sentido. Minha primeira impressão seria de que essas rádios de notícias full time não dariam certo, pois à comparação que eu tinha na época era a Voz do Brasil. Hoje existem várias rádios que veiculam apenas notícias, mostrando que a iniciativa deu muito certo. Ao se comparar uma mesma notícia veiculada pela EBC e uma rádio aberta, fica clara a diferença de linguagem entre as duas. Como a primeira não sofre concorrência, mesmo que exista preocupação com a qualidade, as pressões para melhoria do serviço são mais fracas, pois não estão ligadas à sua rentabilidade, em outros casos ela tem de passar uma notícia oficial, o que na grande maioria dos casos não é a notícia completa. Para as empresas de capital privado, ou a rádio faz a notícia ser crível e interessante ou ela perde o seu público.
No mais, acho o projeto de flexibilização muito ruim, ele não resolve o problema por completo. Para mim, o mais correto é ter uma rádio veiculando as notícias do legislativo, do judiciário e executivo o dia inteiro, mais ou menos nos moldes da já existentes TV câmara e TV senado. Assim o cidadão decidiria se quer ouvir a rádio na hora em que quiser. Para desonerar o bolso do contribuinte, essa rádio poderia ser mantida com o dinheiro público tal como já é feito, mas poderia ser também aberta ao capital dos anunciantes (pode ter um código de ética para os anúncios veiculados). É muito importante o aporte variável de recursos, é ele que dá o tônus da audiência. Dessa maneira a rádio não impigiria um horário obrigatório à população, passaria pelos benefícios da concorrência e verteria renda do horário para ela e as demais rádios (já que as outras não estão mais presas à veiculação obrigatória).
E quem sabe dessa forma a Voz do Brasil não tivesse maior sintonia e apreço do público.**
* A ópera do Guarani foi baseada na obra de mesmo nome escrita por José de Alencar. Uma das críticas ao romance de José de Alencar é que que ele não seria autêntico, importava um heroísmo de cavalaria e o transplantava para o Brasil, desse modo, o Índio Guarani agiria mais próximo de uma conduta ética e apaixonada de um europeu do que de acordo com uma ética realmente indígena. Sobre à obra hoje veiculada, de acordo com o site da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação: "“O Guarani” foi remixado ao ritmo de forró, samba, choro, bossa-nova, capoeira, moda de viola e até techno. E o tradicional “Em Brasília, dezenove horas” foi substituído por “Sete da noite, em Brasília”, sinal da opção pela linguagem mais simples, usual e em tom de diálogo."
** Na data de hoje, 24/07/2010, a comunidade de pessoas do orkut que dizem odiar a voz do Brasil conta com 62.560 pessoas. A comunidade de pessoas que gostam do programa tem 1.072 membros. Pesquisas de internet são péssimas pois são pouco representativas, valem mais à título de curiosidade.
*** Mesmo assim, faço uma pesquisa para saber da opinão dos leitores do blog.
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