terça-feira, 14 de outubro de 2008

Ou Isto ou Aquilo

Ou guardo o dinheiro

e não compro o doce.

Ou compro o doce e gasto
o dinheiro.”

“Ou isto ou aquilo:
ou isto ou aquilo...

e vivo escolhendo o dia
inteiro!”

Por vezes admiro como a epígrafe acima não foi escrita por uma economista. Pelo contrário, os versos provêm da poetisa Cecília Meireles. Trata-sede um trecho do conhecido poema infantil “Ou Isto ou Aquilo” retratando o que desde criança percebemos, que a vida é uma infinidade de processos. A todo o momento nos deparamos com uma escolha e o que não deixamos de fazer é decidir.

Lendo todo o poema, percebemos que apenas a estrofe acima aborda as escolhas materiais, todas as outras pertencem ao não-material do mundo. Faz sentido ser dessa forma, o mundo não econômico é bem maior; no contexto do poema, a economia se resumiria a apenas dois versinhos. No entanto, enganam-se aqueles que acham que a parte de fora, presente no poema e na realidade, nada tem a ver com o mundo econômico.

Os processos de escolha com que nos deparamos pela vida vão desde os mais simples como decidir a que horas acordar, o que fazer pela manhã, até escolhas mais complexas como a escolha de uma profissão ou a decisão de se casar e ter filhos (geralmente estas três últimas são decisões mais complexas porque envolvem longos períodos de tempo à frente). Dessa forma, encarando a economia de uma forma mais ampla, como um dos procedimentos relevantes para a escolha dos indivíduos, podemos enfim entender um pouco como aspectos não-materiais da vida corriqueira também permeiam o mundo econômico.

Uma grande parte dos profissionais em economia ainda vê estas considerações acerca da vida cotidiana como extensões bizarras da ciência econômica, muito embora, elas não sejam essa excrescência que aparentam ser em um primeiro relance. Podemos remontar até aos economistas clássicos como Smith, Mill e Marshall, os quais possuíam extrema sensibilidade para tratar da economia política, sempre atentos às influências externas e considerações de ordem psicológica, para ver que a posição de defesa de muitos não é justificável. É lógico que a economia não pode reivindicar direito exclusivo sobre a análise criteriosa do processo de escolha, porém, não pode deixar suas nuances não-monetárias de lado. Separar conjuntos determinantes é sempre importante, mesmo, sabendo disso, os economistas acima nunca relevaram a importância dos fatores externos à teoria.

A coisa toda de decisão econômica racional sobre casamentos, escolha profissional e número de filhos que uma família decide ter foi posta explicitamente por Gary Becker, sobre estes assuntos seus trabalhos acadêmicos de referência são Becker (1964,1974 e1990). Mais acessível ao leitor comum é a sua leitura no prêmio Nobel de 1992.1 Os resultados de Becker são simples e elegantes, são impressionantes as conclusões e interpretações dos dados que podemos realizar com as ferramentas fornecidas por este autor. Basicamente, os trabalhos que Becker fez procuram mostrar que as escolhas que as pessoas fazem durante sua vida são racionais; no sentido estrito ao qual os economistas se referem à racionalidade: maximizar fluxos temporários dadas determinadas funções sintetizadoras do comportamento.

Ocorre, então, nos modelos à la Becker um conhecido defeito: apesar de algumas complexas soluções analíticas a que ele pode nos levar, suas suposições são por demais simplistas e talvez por demais estreitas. Isto se torna explicito ao nos fazermos a pergunta: “Quem de nós conhece todos os acontecimentos e nuances do seu horizonte temporal de decisão, ou seja, o futuro de nossa vida?”. Bem, “ninguém!”. Apenas esta já é uma constatação bastante desconfortável, a ponto de nos permitir desacreditar na racionalidade que compõem nossas decisões.

Entramos, então, a partir de agora na seara de Herbert Simon, outro grande economista. Simon estava preocupado com as conhecidas, porém veladas, restrições à racionalidade perfeita. Muitos destacam, ainda hoje, que o tema da chamada racionalidade limitada é considerado tabu para os economistas. O que seria este conceito? E porque é um tabu?

Simplificadamente falando racionalidade limitada é quando consideramos que os agentes estão longe de serem oniscientes. Simon (1978) enumera um conjunto de possibilidades onde há sérios limites à capacidade computacional das pessoas. A proposta de Simon é então o estudo observacional do comportamento micro das pessoas e grupos, onde poderíamos inferir uma rotina que as pessoas ou firmas usam para satisfazer seus objetivos propostos. Uma das principais conclusões de Simon é de que indivíduos e firmas procuram antes se satisfazer ao invés de maximizar. A satisfação é uma medida subjetiva. A teoria microeconômica tradicional a evita afirmando que os agentes trabalham antes de seu ponto de saciedade. Quando se incorpora satisfação é essencial fazermos as perguntas: “O que seria satisfação?”. “Como medi-la?”. “Ela muda entre pessoas e firmas?” “Como?”. “Porque?”.

O tema ainda é tabu porque tratar das situações diferentes mencionadas acima dá margem à inclusão de diversas racionalidades ou rotinas e então é preciso cuidado para estas não se tornarem contribuições ad hoc à teoria econômica. Embora caiba uma boa dose de bom senso, o adhociscmo é comportamento a ser evitado por conta de suas explicações para tudo e para todos.

Considerando o alerta de Simon, tratamos, em economia, de apenas uma casquinha do que formam nossas decisões cotidianas. Para algumas situações o processo de escolha desenvolvido pela análise econômica formal é suficiente. Por exemplo, quando vamos a feira é fácil maximizar: temos o dinheiro disponível para a feira da semana, os preços dos produtos e a cesta de pratos escolhida para cozinhar durante a semana, maximizar aqui é simples. Muito embora, caibam ainda uma série de considerações, quanto mais experiência em feira nós temos, maior será nossa capacidade de discernir a qualidade e o período sazonal em que devemos fazer certos pratos.

Para uma infinidade de outras situações maximizar se torna tarefa difícil. Ainda mais quando levamos em consideração um campo que os economistas não se dispõem a entender: o campo dos sentimentos. Como tudo tem limite, esse seja, talvez, o maior limite para a continuação do desenvolvimento econômico que foi esboçado neste texto. Entretanto, não entender o todo não significa não contribuir em parte, nessa fronteira do conhecimento podemos destacar os insights dados por Kahneman nos estudos sobre a influência dos aspectos cognitivos psicológicos que influenciam a tomada de decisão.

Diversos outros campos novos exploram os limites da ciência econômica, ocorrendo intensa interdisciplinaridade: Política e Sociologia se unem à economia para análise institucional; Biologia e Física à analise da economia evolucionista, buscando explicar o porquê das aglomerações no espaço; a Programação Computacional e a Estatística (velha aliada) explorando novos e sofisticadas formas de mensuração e testes. Como sempre, a proximidade que temos com o evento, essa efervescente interdisciplinaridade, não nos permitirá concluir o que daí sobrevive, porém, podemos confiar que haverá certamente bons frutos.

A economia, portanto, está na nossa vida não apenas no preço da gasolina que sobe, no déficit orçamentário do governo, na previdência ou efeito dólar/importações. Ela está presente a todo o momento no aspecto micro, desde de que, quando crianças, começamos rudimentarmente a pensar. Como bem nos ensinou Cecília Meireles.


Referências:

Becker, G. 1992. “The Economic Way of Looking at Life”. Nobel
Lecture, December 9, 1992.
http://nobelprize.org/economics/laureates/1992/becker-lecture.html

Becker, G. 1974. “A Theory of Social Interactions”. Journal
of Political Economy
, vol. 82. pp. 1063-1093.

Becker, G. 1970 [1964]. “Human Capital: A theoretical and Empirical
Analysis with special reference to Education”. National Bureau
of Economic Research. New York.

Becker, G, Murphy, K. e Tamura, R. 1990. “Human Capital, Fertility and Economic Growth” Journal of Political Economy, vol 98, pp. S12-17.

Kahnemann, D. e Tversky, A. 1979. “Prospect Theory: an analysis of decision under risk”, Econometrica vol. 47 pp. 263-291.

Kung. Vetenstapienakadamien, The Royal Swedish Academy of Sciences.
2002. “Advanced Information on The Prize in Economics Sciences
2002, 17 December 2002
.
http://nobelprize.org/economics/laureates/2002/press.html

McCloskey.D.
2002. “The Secret Sins of Economics”. Prickly Paradigm Press
. Chicago.

Simon, H. 1978. “Rational Decision-Making in Business Organizations”. Nobel Memorial Lecture, 8 December 1978. http://nobelprize.org/economics/laureates/1978/simon-lecture.html

Simon,
H.
1959. “Theories of Decision-Making in Economics and Behavioral Science”. American Economic Review, vol. XLIX June, no. 3 pp.253-283

1
Becker (1992). “The Economic Way of Looking at Life”.
http://nobelprize.org/economics/laureates/1992/becker-lecture.html

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