Essa é uma pergunta que preocupa a todos e o número de previsões que já foram feitas até aqui deve ser quase igual ao número de dias que estamos com quarentena decretada no Brasil (nem estou exagerando muito). Para uma ideia de quantas projeções existem por aí essa matéria do New York Times com excelentes infográficos.*
Hoje inclusive (03 de Junho) foi o dia com o maior número de mortes pela estatística oficial: 1349. Número triste. Enquanto isso, a Universidade de Washington previu para o Brasil cerca de 88 mil mortes (não é muito fora da realidade, falarei mais sobre isso abaixo). Mais ainda, hoje a OMS declarou que o Brasil não atingiu o seu pior momento.
Apesar de tanta notícia ruim, baseada nos dados oficiais do covid.saude.gov, a boa informação é que estamos no pico da pandemia agora, a pandemia perdeu a velocidade, mas ainda não começou a cair.
Os dados informados pelo DATASUS para a mortalidade pelo Covid-19 precisam ser dessazonalizados. Alguns pesquisadores estão usando a dessazonalização de uma semana, que é uma boa opção, por outro lado, essa opção deixa os dados pouco sensíveis às mudanças e uma resposta da curva demoram mais tempo para ser evidenciada. Optei pela opção de suavizar os dados a cada quatro dias, que parece estar funcionando, evita as discrepâncias dos dados diários e, ao mesmo tempo, tem um tempo de resposta um pouco mais adequado.**
Segundo os dados com a sazonalidade de 4 dias, estamos vivendo o pico entre esses dias 01 e 04 de Junho. O pico provavelmente chegou por conta das informações que podem ser vistas no gráfico 1 e da evolução "de lado" desde o dia 20 de Maio, que foi o 68º dia de pandemia no Brasil.
Fonte: Dados oficiais do Ministério da Saúde, https://covid.saude.gov.br/ elaborados pelo autor.
Como posso garantir que estamos agora no pico?! Outro gráfico em que calculo as taxas de incremento do número acumulado de mortes por estados da federação brasileira. Esse gráfico permite ver que as taxas de crescimento do número absoluto de mortes estão em declínio para todo Brasil (gráfico 2). Para a pandemia acabar por completo seria necessário que esse crescimento do número de mortes fosse zerado, ou seja, que todos os estados não tenham novas mortes contabilizadas (0%). Isso não vai acontecer nesse ano, infelizmente, mas as taxas podem sim ficar abaixo de 1%.
O gráfico 2 apresenta o decrescimento das taxas para todos os estados brasileiros desde o dia 29/03, temos 7 estados em destaque mais o Brasil, que está de preto e pontilhado. O gráfico 2 está "suavizado" para sete dias.
Gráfico 2 - Crescimento do número acumulado de mortes por COVID-19 nos últimos 36 dias
Fonte: Dados oficiais do Ministério da Saúde, https://covid.saude.gov.br/ elaborados pelo autor.
Os estados com elevada possibilidade de expansão no número de mortes ainda são os estados com pouca população: Mato Grosso do Sul, Tocantins e Mato Grosso.*** Por conta disso, o crescimento dessas taxas para todo o país ficaria mais limitada. A dinâmica de cada estado é particular e difícil de ser prevista, as curvas de mortalidade estão apresentadas no gráfico 3, para a maioria dos estados esta curva está chegando no limite do crescimento. Sabe-se também que o Brasil está com um problema importante de subnotificação, isso porque o país testa pouco os casos. Por conta desse fato é um pouco mais confiável utilizar os dados de mortes, toda a morte deve ser notificada junto com a causa mortis (a falta de testes também prejudica a saber a real causa de morte das pessoas, mas pelo menos se espera que entre os indivíduos internados haja maior possibilidade de testes).
Gráfico 3 - Curvas de Mortalidade por Estado (Eixo Y Logaritmizado)
Obs: Um leitor atento deste blog sugeriu mudanças no eixo Y deste gráfico que agora tem o número absoluto mas na escala logaritmizada e a palavra "morte" onde estava "caso" no eixo X, com a correção da data para 12/03 para 17/03. Por conta dessa correção o gráfico tem dados mais atuais do que os do dia de sua publicação. Mais detalhes nas observações ao final.
O número de casos é mais importante para saber a dinâmica da epidemia do covid-19 no Brasil, porém para ficar com dados mais confiáveis e evitar a subnotificações mais severas (como explicado acima), escolhi trabalhar com os dados apenas da mortalidade, que acompanham com algum atraso o número registrado de casos. O gráfico 4 mostra o total acumulado de mortes a cada 4 dias. Neste gráfico é mais difícil discernir se chegamos ao pico ou não, para isso seria preciso procurar a inflexão. Quando a pandemia acabar esse gráfico ficará com um formato de um 'S' alongado.
Gráfico 4 - Número de mortes acumuladas a cada 4 dias
Fonte: Dados oficiais do Ministério da Saúde, https://covid.saude.gov.br/ elaborados pelo autor.
Qual será o número total de mortes?
Estimar o número total de mortes tem sido também um desafio que tem intrigado os cientistas. Para ter uma ideia desse número fiz uma estimativa sobre o crescimento do número de mortes, baseado nos resultados que foram mostrados no gráfico 2. O gráfico 5 abaixo traz duas estimações, uma logarítmica e outra linear. Na tabela 1 há o resultado das estimações para o número de mortes até o final deste ano segundo cada um dos modelos e mais um modelo chamado de logístico, a curva 'S' que aparecerá em algum momento no gráfico 4.
Gráfico 5 - Regressão para as taxas de crescimento de óbitos
Fonte: Dados oficiais do Ministério da Saúde, https://covid.saude.gov.br/ elaborados pelo autor.
Ao final a tabela com as estimativas, apesar de estarmos provavelmente no pico da pandemia em nosso país, ainda ocorrerão muito mais mortes, porém em um ritmo decrescente. Se essas taxas de crescimento da mortalidade não diminuírem mais rápido, mesmo pelas previsões otimistas, os números de mortes pela covid-19 até o final desse ano serão muito altos (os cenários pessimistas são catastróficos). A estimativa de 88 mil da Washington University que linkei no começo desse post é até conservadora.
Tabela 1 - Projeções do Número de mortes acumuladas por Covid-19 até o final deste ano
Tipo | Pessimista | Média | Otimista |
Logarítmica | 70.754.932 | 1.443.192 | 209.596 |
Linear | 2.976.884 | 206.379 | 66.065 |
Logística | 210.000 | 95.000 | 80.000 |
Fonte: Projeções elaboradas pelo autor.
A função Logística tenta aproximar o máximo possível o formato de 'S' do gráfico 4, sua estimação depende muito da estimação do número absoluto de mortes. O interessante é que nas projeções média e otimista o pico irá ocorrer a daqui 7 ou 8 dias. No caso pessimista, o pico será ainda em Julho, na primeira semana do mês. O interessante dessa estimação é que o formato em 'S' para os óbitos acumulados de uma pandemia é uma certeza indubitável, porém é difícil ajustar os três parâmetros que a curva requer antes de se obter todos os dados completos. Em outras palavras, é difícil fazer previsões.
Fiz aí os meus palpites embasados, gostaria que não tivéssemos mais mortes por essa doença, mas esse vírus é muito tinhoso.****
* Para uma análise sobre essas diferentes previsões o blog do Nate Silver, 538, traz considerações interessantes.
** Qualquer escolha a respeito disso terá problemas, mas o ponto aqui é que a sazonalidade existe por conta de como os dados são inseridos. As pessoas não deixam de morrer no domingo (dia da semana com número de mortes tipicamente menor), nem há nada de especial nas terças-feiras, dia em que a notificação tem atingido os maiores valores. O ponto é que em vários hospitais a rotina de preenchimento faz com que a sazonalidade ocorra.
*** O Mato Grosso é um estado de baixa densidade populacional, hoje com 70 mortes no total. Acre, Amapá e Roraima possuem população menor que o Tocantins, mas todos eles já tiveram mais do que 100 óbitos.
**** Facilmente pode furar todas as minhas previsões aqui.
OBSERVAÇÕES: Edição do dia 30/06/2020. Um leitor atento deste blog, que pediu para não ser identificado, me sugeriu correções importantes no gráfico 3 para sua melhor interpretação. Por conta da edição de hoje esse gráfico possui dados mais recentes do que aqueles da publicação. As correções foram:
- No eixo Y estavam os valores logaritmizados na base 10, mas os valores eram de 4 em 4 dias na média suavizada em uma janela de 12 dias (3 janelas de 4 dias). Como o título estava diária isso induzia o leitor a fazer uma conta errada para chegar no número real diário de mortes.
- Para melhor visualização mudei o eixo Y para expressar os valores absolutos do número de mortes, mas o eixo não é isométrico mas logaritmizado.
- O eixo X apresentava após o primeiro "caso (12/03)", que na verdade é a primeira morte oficial para esse gráfico que aconteceu dia 17/03 em São Paulo. Está corrigido.
- O gráfico continua suavizado em 3 janelas de 4 dias cada, mas o número é a média "suavizada" de mortes diárias.
- O comportamento das curvas não se alterou em nada com essas mudanças, mas agora as informações não induzem os leitores ao erro.
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