sábado, 6 de outubro de 2012

Economia e Cerveja?

Já vejo leitores intrigados se perguntando: "E essa agora?! O que têm a ver economia com cerveja?". Eu já respondo que muita coisa, meu incauto leitor. Hoje saiu uma matéria bastante interessante na Folha de São Paulo dando notícia que a "Cerveja Nacional tem alto teor de milho". O Estudo foi conduzido por cientistas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) que possui pesquisadores da USP-Piracicaba e da Unicamp, a matéria está muito interessante. O estudo mostra que há grande chance de a maioria das marcas nacionais campeãs de venda terem muito milho (ou maltose de milho) na composição de suas receitas. Para quem tiver bom conhecimento de química e maior interesse, a reportagem da Folha diz que o artigo que sairá no Journal of Food Composition and Analysis (eu não consegui encontrar o artigo, deve ser informação de primeira mão da reportagem).

A matéria é bem interessante, recomendo aos leitores. A chave para entender o argumento econômico é esse trecho do especialista Sady Homrich: " A boa cerveja é a de puro malte de cevada, porque você pode explorar variações de sabor e aroma vindas da secagem e da torrefação da cevada". A reportagem completa ainda: "Apesar do argumento de que o milho deixaria a cerveja mais leve, Homrich diz que a grande preocupação da indústria é diminuir o custo".

Apesar de ser idolatrada e venerada no Brasil todos nós sabemos que a bebida nacional campeã de vendas não tem nada de típica. Ao contrário do que ocorre com a também popular cachaça, nosso país de clima tropical não é propício ao cultivo em larga escala de espécies de clima temperado (ou subtropical), tais como o Trigo, a Cevada e o Lúpulo, todos usados na cerveja. Sendo assim, boa parte desses ingredientes tem que ser importada. Ocorre que facilitar importação nunca foi um negócio muito estimulado no Brasil.

Precisamos desmitificar de que a cerveja brasileira é barata para o consumidor. O gráfico da revista The Economist abaixo mostra que a cerveja brasileira não é tão barata assim. Comparada com o preço da cerveja de outros países, a cerveja brasileira é mais elevado do que o de países com menos tradição cervejeira. O gráfico mostra quantos minutos de trabalho são necessários para comprar 500ml de cerveja. No Brasil são cerca de 20 horas de trabalho, o que é bem perto dos valores médios da pesquisa. O poder aquisitivo do brasileiro permite comprar, em média, 20 garrafas de cerveja (600ml) por um dia de 8h de trabalho. Nos Estados Unidos é possível comprar 80 garrafas.

Outro motivo levantado pelos críticos da cerveja brasileira é que por aqui há pouca concorrência. Não concordo muito com esse motivo, apesar de termos uma grande cervejaria, a AMBEV, dona de mais de 70% do mercado nacional e das marcas mais populares, existe grande concorrência de cervejas e os preços das cervejas não aumentaram após a grande fusão que possibilitou a criação da empresa. Grande parte do segredo para manter um bom nível de concorrência dos anos recentes está na importação de cervejas. Marcas internacionais entraram em peso no mercado nacional e hoje temos uma variedade maior de cervejas sendo vendidas no varejo.

Porém, cervejas que ainda não são fabricadas no Brasil custam ainda muito caro. Pegando informações de preços daqui e tomando o mesmo referencial da revista The Economist acima, temos que cervejas Irlandesas ou Inglesas no Brasil custam por volta de R$ 10,50, com uma aproximação do dólar em R$ 2,00, isso equivaleria a US$ 5,25. Cerveja mais cara do que o preço médio da cerveja no Japão (país com o maior preço da lista aí de cima). Recentemente, o canal de notícias Terra, fez um excelente infográfico mostrando os preços das cervejas nacionais e importadas vendidas no Brasil.

Facilitar as importações ajudaria uma maior concorrência de cervejarias no país e também a ampliação da escala de atuação de boas cervejarias nacionais que operam ainda com escala pequena no Brasil, tais como as cervejarias do polo cervejeiro de Nova Lima, aqui em Minas Gerais. Outra iniciativa que pode ajudar ampliar o mercado e baratear a cerveja é o investimento em pesquisa. Recentemente foi criada a Faculdade da Cerveja. Ou pesquisas tais como a do prof. Rogélio Lopes Brandão da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) que estudou os processos de fermentação de leveduras em cachaças e cervejas e esteve presente no Expo Bier BH. O desenvolvimento de tecnologias nacionais podem ajudar a melhorar o desenvolvimento das cervejas nacionais.

Muito me admira, então, que o nível de resposta da indústria para a reportagem da folha colocado na primeira parte deste post seja a mais conservadora possível. É claro que todo produto destinado ao consumo necessita de critérios para a fiscalização. Não obstante, há muita polêmica sobre essa legislação brasileira, que fala que o limite máximo de milho para a fabricação de cervejas no Brasil é de 45%. Ora, que lei é essa que fala qual deve ser a receita certa da cerveja? Me parece claro que se o limite do ingrediente mais barato disponível no Brasil (milho) é de 45%, as cervejas nacionais se esforçarão ao máximo para estar perto desse limite. A indústria em vez de questionar a lei, passa a questionar a qualidade dos estudos.

A metodologia dos estudos é bem sofisticada e é claro que o procedimento pode sofrer questionamentos, e eu fiquei me perguntando se cevada produzida no Brasil ou Argentina não poderia ter mais do carbono-13, ou até mesmo qual o percentual de carbono-13 aceitável para uma cerveja produzida só com cevada. Mas enfim, a indústria em vez de dizer que "[...] a cerveja brasileira possui tradição de mais de cem anos e tem orgulho de produzir bebidas de altíssima qualidade [...]". Poderia dizer que ela é quem manda na composição e receita das cervejas, e se o brasileiro gosta, ninguém mais do que o consumidor é que deve dar a resposta sobre como a boa cerveja deve ser.

O que eu sou extremamente favorável é de que os ingredientes sejam bem esclarecidos e divulgados para o consumidor. Certa vez eu comprei uma cerveja japonesa, a Kirin Beer, que diz expressamente possuir arroz em sua composição. A maioria das cervejas nacionais não fala que possui milho na sua composição de receita. O mais importante, antes de ter leis que falam que se deva ter 20, 30 ou 45% de milho na composição é dizer ao consumidor que a composição usa milho e deixar que o consumidor decida qual cerveja ele quer tomar.

Uma outra questão de regulação recente é que o governo quer aumentar o IPI e outros impostos sobre a cerveja e outras bebidas. Existem dois motivos alegados para se tributar as bebidas. Um deles é o motivo de controle do consumo, bebidas alcoólicas produzem externalidades negativas quando consumidores abusam de seu consumo e tomam comportamentos de risco, o mais comum é o de beber e dirigir (que pode ser controlada com estratégias à parte de impostos, é verdade, e que se configuram como mais eficazes). Como a maioria desses comportamentos impõem um risco aos demais e não apenas aqueles que ingerem álcool, há um motivo para sobretaxar esse tipo de bebida e consequentemente desestimular seu consumo.

Outro motivo é o de arrecadação, que parece ser o caso dessa nova proposta de revisão de alíquota pela Receita Federal. Isso fica claro, já que bebidas não alcoólicas estão igualmente entrando no bojo. E, nesse caso, a sanha do governo por arrecadar mais não pára. Sou da opinião que se o Brasil fizesse uma boa revisão tributária e simplificação de seu sistema de impostos e contribuições, o governo conseguiria arrecadar mais, cobrando uma alíquota menor. Acredito que estamos na parte descendente da curva de Laffer.  E assim, resolvido esse problema do emaranhado tributário que é o nosso país, poderíamos aumentar um pouco mais as alíquotas das bebidas alcoólicas, levando em conta o motivo de externalidades, e não o de simplesmente encher os bolsos do governo.

5 comentários:

Jurza disse...

Prá quem gosta de breja como eu, isso não é novidade. Sempre soube que a "nossa" cerveja brasileira era puro aditivo. A cerveja que eu faço tem 0% de arroz, 0% de milho e 100% de malte. Ela é PREMIUM. Segue a Rheinheitsgebot - a lei da pureza alemã: cerveja tem água, malte, lúpulo e fermento - e mais nada. E te garanto, que para os que apreciam cerveja, ela é muito melhor do que os papelões molhados comerciais do Brasil. Mas para o gosto mediano, ela é muito forte, incomoda... Mesmo os insumos necessários para fazer uma BREJA DO JURZA são caros, se comparados com o exterior. Trabalhar 20 horas por um PINT de cerveja?Francamente... Me parece a época de Les Miserábles, ou de Germinal... A propo, sábado que vem faço mais uma nova leva de Breja do Jurza, que vai maturar durante, pelo menos por um mês... Depois, é só alegria do puro malte!!!

I'm a Rock disse...

Amigos me falaram dessa Lei, já há até verbete dela na wikipedia, mas ela envolve cevada, que é também responsável por deixar o sabor amargo, eu geralmente gosto. Mas outro dia provei aquela Colorado Indica, a chamada Pale Ale... e achei que o amargor passa um pouco do ponto. Se eu tivesse acompanhando com um prato forte seria bacana, mas pra tomar pura, achei muito amarga. Tenho de descontar que havia passado muito desde a data de fabricação. Um amigo garantiu que não há coisa igual a tomar uma cerveja recém maturada.

I'm a Rock disse...

Eis aqui o Link do Wikipedia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Reinheitsgebot

E estou curioso para provar essa Breja aí cara. Abçs

Jorge Ramiro disse...

O problema com a cerveja ea economia é complexa. Porque eu tinha um amigo que gastou todo seu dinheiro em cerveja. Então, para a meu amigo a cerveja ea economia estavam diretamente relacionados. A cerveja estava destruindo a economia do meu amigo. Meu amigo conhecia todos os restaurantes em vila madalena. E muitas vezes ele estava tão bêbado que não se lembrava de nada do que ele estava fazendo.

I'm a Rock disse...

Realmente Jorge, tendo isso em vista há que se ter enorme cuidado, pois assim não poderá haver nenhuma economia consumindo tanta cerveja. O post poderia se chamar "economia da cerveja" ou cervejomics, ou ainda beernomics, a ideia e o estudo da economia e a cerveja.