terça-feira, 19 de outubro de 2010

Um pouco mais de Demografia:

Em resposta a uma pergunta de demografia mandei o seguinte texto para uma lista de e-mails de discussão:

1. Existe uma taxa de natalidade ótima?!

Não existe demografia saudável ou não saudável. Não há como saber o que é bom em termos de demografia, dá para saber as consequências de determinado movimento populacional. Em teoria, a demografia tem um equilíbrio de uma Taxa de Fecundidade Total = 2.0.

Isso quer dizer, em média, dois filhos por mulher.

A mulher repõe a si mesma e ao homem gerador da criança. Na prática diria-se que a taxa é algo 2.1 ou 2.2. já que as crianças tem de sobreviver até pelo menos iniciarem a idade reprodutiva. Como sempre morrem algumas crianças até chegar lá, essa taxa de equilíbrio é 2.2.

Se a mortalidade infantil e juvenil fosse nula, a TFT = 2.0 nos garantiria uma taxa de crescimento vegetativo = zero. Uma população que não cresce nem decresce. Isso é o mais próximo de um equilíbrio dinâmico, mas não dá para dizer se bom ou ruim.

Gosto da analogia torneira e balde:

Demografia é algo tão simples como uma torneira que enche um balde que tem um pequeno furo no fundo: um sistema de equações diferenciais. A torneira é a natalidade e as águas são as pessoas (o nível de água é a população), o balde são os recursos (o meio) e a mortalidade é o furo.


Uma população que cresce é uma torneira com vazão mais alta do que a do furo lá de baixo, assim, mesmo tendo um vazamento o balde enche, podendo até transbordar, o que na analogia quer dizer que a população sobrepassou seus recursos. Era o que os teóricos da explosão demográfica achavam que aconteceria, o balde ia transbordar se nada fosse feito.* 
Os países desenvolvidos de hoje tem um balde que foi se enchendo lentamente e hoje a torneira apenas pinga. O furo também diminuiu bastante, isso quer dizer que o tempo para um pingo de água sair lá de cima e chegar lá em baixo demora muito. Todo o sistema fica muito mais lento.


Claro que em demografia os modelos ficam muito mais complicados. As águas do balde é que escolhem se vão ou não abrir mais a torneira. Cada pingo de agua tem sua própria opinião sobre o assunto. O furo está em todos os níveis do balde, para os pingos mais "novos" e para os mais "velhos", os baldes crescem e encolhem de acordo com a disposição, tenacidade, força de vontade e trabalho de suas "águas". Há inúmeros vasos comunicantes (migração) com outros baldes que tem seus próprios furos e torneiras. Enfim, não se sabe ao certo como os furos mudam de tamanho, como o balde cresce e encolhe, se há obstrução ou não nos vasos comunicantes e como essas loucas e turvas águas decidem abrir ou não a torneira.


2. Como evitar as consequências negativas de um baixo crescimento vegetativo da população?
Quando a taxa de natalidade é baixa há uma menor rotatividade e até um encolhimento da população, a razão de dependência: inativos/PIA cresce muito o que requer muitas despesas de previdência e saúde e há menor geração de renda, já que grande parcela dessa população se encontra aposentada.


No entanto, isso pode ser contrarrestado por duas coisas, maior produtividade dos trabalhadores ativos e uma aplicação da riqueza dos aposentados em recursos produtivos. Isso gera um excesso de poupança em um país que cresce lentamente e por isso os juros em alguns países desenvolvidos são tão baixos (não só por isso, mas também). No caso do Japão, por exemplo, esse excesso de poupança é turbinado também pelos hábitos orientais de poupar bastante.

Algumas soluções:

1. Trazer imigrantes, porém esses estrangeiros não devem trabalhar só na marginalidade. Devem contribuir com maior produtividade e dinamismo para surgirem oportunidades para o excesso de poupança.

2. Se o país possui um sistema ainda muito engessado em questão de emprego e previdência, isso teria que ser mudado.

3. Seria interessante também investir abroad já que o resto do mundo cresce mais rápido do que eles e isso lhes renderia o maior retorno de sua poupança. Os investimentos podem tentar descolar um pouco também da macroeconomia norte-americana que é dinâmica mas perde espaço para emergentes, foi esse atrelamento que arrefeceu a economia japonesa, eles sentiram a crise americana dos anos 90 mais do que os próprios americanos. Uma população com muitos idosos é uma população rica em equities. Os demógrafos chamam isso de segundo Bônus demográfico, que é uma pequena sobre riqueza que as pessoas geram logo antes de se aposentar, esses ganhos em equities deve ser aplicado rentávelmente e ajuda o país a se financiar de maneira barata.

4. Políticas micro para a fecundidade. Isso quer dizer dar maior liberdade para as mulheres terem filhos, estimular clínicas de aborto e fertilidade. Homens e mulheres com mesmos direitos de licença maternidade e paternidade, além de equiparar e eliminar a discriminação salárial das mulheres, essa medida torna a criação de filhos um pouco mais barata e tem dado certo no noroeste europeu.

OBS: No quesito 4, há algumas medidas mais polêmicas como bolsa filho da espanha e redução de impostos para quem tem mais filhos, considerando que em países de baixa fecunidade mais filhos geram externalidades positivas pois gera trabalhadores potenciais e ativos. Mas acho esses pontos podem ter efeitos colaterais indesejados em termos de gastos públicos e essas medidas diretas de estimulo à fecundidade são em geral fracassadas.

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* A torneira de Malthus abria com progressão geométrica e seu balde com furo crescia em proporção aritimética, Malthus acreditava que era o furo que regulava o sistema no chamado xeque positivo e que dava para tentar controlar a torneira em um xeque preventivo mas que a vontade dos sexos tornava isso muito difícil, então era mais provável o primeiro xeque.

** É xeque com 'x' de xeque-mate!!!

*** Tudo isso, torneira, balde, furos e vasos comunicantes pode ser traduzido em equações matemáticas onde a variável principal é nossa informação ligando as águas e o tempo. A equação de Lotka ( é o sistema de partida mais simples para se começar a pensar sobre isso).

**** Eu já tinha usado essa analogia do torneira-balde em um trabalho da demografia, mas aqui pude explorá-la com mais liberdade.

***** A pergunta dois se situava particularmente ao caso do Japão, mas eu generalizei um pouco a discussão para encaixar aqui no blog.
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