quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Em defesa do direito dos analfabetos se tornarem elegíveis.

Está na crista da onda dos noticiários nacionais o Art. 14, paragrafo 4° da Constituição Federativa do Brasil. Isso porque se levantou suspeita sobre a condição do palhaço Tiririca ser iletrado e ter supostamente fasificado a declaração de que se enquadrava no quesito do artigo.

Vejamos o que diz o texto da Carta Magna:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - Plebiscito;

II - Referendo;

III - Iniciativa Popular;

O paragrafo 3° e seus incisos estabelecem as condições para essa elegibilidade.

Com a exceção dos incisos:

I - a nacionalidade brasileira; e

V - afiliação partidária.

Entendo que os demais incisos do § 3º são plausíveis ou justificáveis em estabelecer limites à liberdade e condições para a elegibilidade. Sobre o inciso I eu não concordo, creio que é possível ter candidatos ao governo de estados que sejam naturalizados, assim como vereadores, deputados distritais, deputados estaduais e federais. A naturalidade seria, então, uma condição que poderia nçai ser válida apenas para o senado e presidência. Sobre o inciso V eu o acho absurdo. Qual a diferença entre um candidato se candidatar sem partido e ser candidato por um dos nanicos partidos não-representativos que nós temos?! Eu acho até mais legítimo um candidato lançar candidatura independente caso não se julgue representado e nem representante de nenhum partido.

O voto partidário não seria empecilho, e a única consequência de não exigir filiação partidária é que o candidato "independente" não teria chance de "capturar" votos de nenhum outro candidato eleito, o que seria até benemérito, já que se discute muito os efeitos negativos que a transferência de voto possui para a composição das câmaras.

O quarto parágrafo diz:

§ 4° - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.


Acho premente discutir agora o art. 14. § 4°. Os analfabetos são uma silenciosa minoria na sociedade brasileira, resultado de uma política educacional falha que não consegue nem mesmo colocar seus alunos de 6 a 8 anos na escola e é incapaz de garantir um grau de literalidade total para a sociedade. É triste, mas a verdade é que quase 10% da população brasileira se encontra ainda nessa condição. É uma minoria silenciosa, acostumada a não exigir muito, mas não por isso essas pessoas não deveriam ter menos direitos.

Nesse ponto a constituição entra em contradição com o nossa realidade conjuntural, pois ao mesmo tempo em que ela expõe no art. 6° que educação é um dos direitos fundamentais, o Estado Brasileiro não dá condição mínima de um indivíduo, na época que lhe é mais propícia ou seja nas idades iniciais) se alfabetizar (isso é comprovado cientificamente, os anos iniciais são aqueles em que se torna mais fácil adquirir linguagem assim como dominar a leitura e escrita).

O argumento de que os analfabetos são assim por questão de escolha não cola. Até porque não há criança que não escolha não saber ler, ela não aprende porque não pode, foi impedida, não tinha liberdade para decidir os rumos de sua própria educação. E passado esse prazo inicial fica muito mais difícil recuperar. A força de vontade tem de ser tripla ou quádrupla. Alguns conseguem, mas eles são a exceção e não a regra. Educação é liberdade! Saber ler torna a pessoa livre para decifrar códigos e seu mundo se torna mais amplo.

Há um argumento técnico que seria dizer que um parlamentar ou um representante do executivo tem de saber a ler para interpretar e redigir as leis. Isso é ideal, mas longe de ser uma condição necessária, mais longe ainda da verdade. Há muitos legisladores bem letrados que não leem o que escrevem, e eles mesmos não redigem sequer uma vírgula. Para isso, muitos usam os assessores.

Pois bem, se o analfabeto pode ser assessorado para o voto, porque não pode ser assessorado para legislar? E que sociedade hipócrita é essa que estabelece que educação é direito de todos e dever do Estado (Art. 205), mas não consegue evitar que pessoas mentalmente capazes se alfabetizem, e então lhes tolhe o direito de representarem uma parcela de 10% que também têm direitos a ter voz ouvida?

É triste um país que necessite discutir direitos de minorias nesses termos, é triste já que não consegue cumprir o direito mais básico de alfabetizar as pessoas. Dado que esse próprio estado não foi suficiente para garantir essa condição mínima, como ele próprio pode tirar um direito a quem ele não foi capaz de assegurar?

Aos exmos senadores e deputados federais ou até o presidente da república, não seria possível e uma boa sugestão iniciar uma proposta de EC para alterar o texto constitucional do 
§ 3º e § 4º parágrafos?!

Um comentário:

Victor M Senna disse...

Apesar da campanha do Tiririca não ter sido séria eu considero esse um assunto sério.

Muitos analistas estão ressaltando que Tiririca ganhou muitos votos de protesto, já que com a urna eletrônica não se pode mais votar em outras personalidades tais como "Jesus Cristo" ou "Capitão Nascimento" que na certa seria muito escolhido caso tivessemos cédulas antigas.

http://mais.uol.com.br/view/1575mnadmj5c/eleicao-de-tiririca-e-caso-de-voto-de-protesto-diz-analista-04029C3870C08183C6?types=A&

Mas a questão aqui é de direitos iguais para os quais os analfabetos devem ser levados em conta também. Apesar de o Tirica não ter feito jus a uma campanha sensata e aquela que gostariamos de ver para a melhoria do quadro político, isso não tira o mérito de um candidato analfabeto que queira realmente representar aqueles 10% na população sobre o qual falei no texto possua esse direito legítimo de poder ser escolhido. Assim quem sabe ele não poderia trabalhar para que não houvesse mais essa mácula de nosso incompetente estado.