O APAGÃO
No dia 10, por volta das 22h10 do horário brasileiro de verão, houve um desenrolar de eventos que culminou com a falta de fornecimento de energia elétrica para vários estados brasileiros, sobretudo para as duas mais populosas cidades do país, São Paulo e Rio.
Em várias entrevistas e noticiários ouvi muitas explicações, porém notei que as autoridades que tem a responsabilidade de informar à população sobre as verdadeiras causas do ocorrido, pareciam que, sentindo-se pressionados em dar explicações sobre o fato e querendo isentar-se e ao governo de qualquer culpa no assunto, apresentaram justificativas pobres e não convincentes sobre o que sucedera.
Embora seja engenheiro eletricista, envolvi-me sucessivamente em atividades de Telecomunicações, Estatística e Demografia desde que ao sair de uma empresa siderúrgica em 1997 ingressara em uma estatal de telefonia no mesmo ano, distanciando-me da atividade de engenharia elétrica. Naquela empresa onde trabalhei por quase 25 anos, estive responsável, entre outras atividades, pelo fornecimento de energia para uma Usina Siderúrgica em Belo Horizonte. Havia algum tempo que o sistema elétrico do Sudeste Brasileiro já trabalhava com suas redes interligadas. O Comitê Gestor do Sistema Interligado solicitara às concessionárias de energia de suas áreas de atuação que contatassem seus clientes, possuidores das maiores cargas elétricas do sistema, para instalarem em suas subestações [1], relés [2] de alívio de carga. Na eventualidade de haver perder de geração, (como aconteceu naquele dia, com a desconexão das linhas de transmissão que levavam energia de Itaipu para São Paulo) as cargas mais relevantes poderiam ser imediatamente retiradas mantendo a malha remanescente com a geração disponível. O sistema interligado é composto de inúmeras usinas com vários geradores ligados em paralelo, operando em forma sincronizada na freqüência de 60 Hz. Também estão conectadas nessa imensa rede, inúmeras cargas, como cidades, indústrias, estações alimentadoras de trens elétricos e metrôs, etc. Quando uma parcela importante da geração é perdida as demais máquinas geradoras recebem um tranco imediato fazendo com que haja uma perda de rotação dos geradores, da mesma forma como um caminhão que começando a subir uma ladeira perde velocidade. Nesse momento todo o sistema sente que houve um problema na forma de uma rápida redução de freqüência que cai abaixo de 60 Hz (o valor depende da perda ocorrida, pode ser 58Hz, 57Hz ou outro valor). É aí que entram os relés de alívio de carga. Tais instrumentos, ao detectarem essa rápida redução de freqüência, deduzem que houve perda de geração e imediatamente (microssegundos) enviam ordem para que os disjuntores de cargas previamente selecionadas desarmem a fim de impedir que haja uma cascata de eventos e todo o sistema seja derrubado como ocorreu na noite de anteontem.
Na época em que trabalhava com isso, chegamos a ter desligamentos das cargas conectadas ao Esquema Regional de Alívio de Carga, o que isolou os problemas ocorridos. Os relés de então eram analógicos e o sistema era menos robusto que o atual. Com o aumento das interligações, que tornaram o sistema quase nacional, a robustez do mesmo deve ter aumentado, em que pese que os centros de carga ainda são distantes dos centros de geração. O sistema sendo mais robusto, as variações de freqüência, durante as perdas de geração são menores, porém os relés de hoje são seguramente mais sensíveis e podem precisar melhor o que está ocorrendo. O que se passou então? Os técnicos responsáveis pelo sistema ficaram mais incompetentes? Os esquemas de alívio de carga não estão mais “na moda”? O que houve.
O que pode ter havido é que o esquema de alívio de carga não foi implantado na totalidade do sistema de forma e em um nível tal que compensasse a perda de geração de uma usina como Itaipu. É possível que para equilibrar o consumo com uma perda de geração tão relevante, houvesse necessidade de termos um esquema mais sofisticado que detectasse a relevância da perda ocorrida e que nesse caso retirasse da malha interligada partes de cidades que fossem menos afetadas pela falta de energia. Ou seja, a seleção de cargas retiráveis teria que ser muito criteriosa e eficiente, pois tudo isso deve ser feito em frações de segundo. Também é possível que os relés que foram instalados há muito tempo precisem ser substituídos por outros mais sensíveis e avançados.
Quando autoridades vão para os meios de comunicação e começam a dar explicações que não se sustentam fica difícil para os técnicos a eles subordinados apresentarem as verdadeiras causas sem correr o risco de desmentir seus chefes, o que cria outros problemas. Só os próprios chefes podem corrigir suas anteriores explicações, mas aí correm o risco de perder credibilidade.
Penso que há que analisar bem o ocorrido. As soluções para evitar outros problemas desse tipo existem e não são tão caras, mas exigem reavaliar as explicações que foram dadas, sem apressamentos e fora do jogo político, para não fazermos investimentos caros que não contemplam as verdadeiras soluções.
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