Durantes as crises surge o ingênuo comentário: "os empresários não demitem porque querem, mas simplesmente porque não há outra saída". É um comentário bem estúpido para responder um outro comentário mais estúpido ainda, o que afirma que "há uma conspiração em jogo, que vilões empresários se apropriam da ajuda a eles fornecida para assegurar o lucro e no intuito de reforçá-lo, "cortam" cabeças e como primeira medida demitem trabalhadores".
Bom, como disseram uns, o tempo da ingenuidade acabou. E ingenuidade, nesse caso, é acreditar que existe uma força poderosa oculta, maniqueísta e subliminar atuando contra o emprego de milhões de trabalhadores*. Não me surpreenderia o desemprego norte-americano beirar a casa dos 10%! Logo nos EUA, país que já possui um histórico de patamar de desemprego bem mais baixo do que em diversos outros países do mundo. Vamos retirar a lógica cruel de um ou outro empresário torturador e analisar condições do sistema que o leva a pôr um monte de gente na rua.
Como explico de maneira didática em sala de aula, uma crise é uma reversão de um ciclo de expansão do sistema monetário, uma fase de redução até que ele se encaixe novamente ao tamanho real da economia. A retração pode ser aguda, como na presente crise, ou mais amena, que é o que todos desejariam, retração chamada de soft landing, temos que admitir ao menos a possibilidade de que talvez o soft landing nem exista. Há sempre uma crise ocorrendo, mesmo que moderada, e nunca se pode dizer que o lado monetário teve uma aterrissagem perfeita. Nas crises é preciso cortar excessos do montante de dinhero não realizável, no entanto, é preciso evitar que o corte monetário ocorra de maneira brutal, pois isso pode deixar sequelas na economia real, que são o desemprego de fatores e da mão de obra.
Para usar uma metáfora, nos climas temperados, o ciclo da vegetação é bem marcado pelo florescimento na primavera, exuberância no verão, queda no outono e a seca das árvores no inverno. Uma crise econômica é como o inverno, sabemos que o inverno é necessário, mas também é importante o outono. O outono é uma preparação. Imaginando que o lado monetário são as folhas e o lado real são as raízes e o tronco, no outono a decaída ocorre folha por folha como uma preparação, em uma crise dessas como a que ocorre hoje, é como se do verão passássemos ao inverno de uma só vez e as folhas caísem todas juntas. Um trauma dessa magnitude prejudica a vida da árvore e pode matar seu tronco e a raíz.
No inverno a árvore guarda energia, consumindo o mínimo indispensável, ainda sim, elas preservam algumas folhinhas que são nescessárias para prosperar e crescer novamente, mesmo que não tenha folhas, o tronco guarda o viço. Em uma queda repentina de todas as folhas a arvore morre. O mesmo para a economia, a queda de todas as "folhas" mata o lado real, surge o desemprego, o desaquecimento da produção, encalhe de estoques e perda de confiança. As "folhas" têm de cair devagar e não se pode matar todas, é preciso um ramo vivo para fotossintetizar a recuperação.
Voltando à questão da força de trabalho. Observamos demissões em massa, bancos tentam desalavancar e retornar ao seu tamanho menor ideal e "seguro", ao fazerem isso colocam muitos ativos no mercado desvalorizando-os, fomentando uma desvalorização ainda maior de preços que faz com que o tamanho de seus passivos, realização de lucros, patrimônio líquido (enfim, seu capital) encolha ainda mais.
Os bancos demitiram muita gente, mas a proporção de demitidos no setor bancário é muito menor do que a desova de capital que eles estão promovendo. Porque no setor produtivo é o contrário? Porque o setor produtivo demite mais, ou invés de reduzir também máquinas e equipamentos?
Keynes disse que é por que os salários nominais são rígidos. Sim, mas não só isso. Eu inverteria um pouquinho o raciocínio de Keynes: "Qual é mais fácil de se dispensar?" A árvore ao dispensar ramos se livra da carga das folhas para que as raízes não tenham de alimentar tantas células e consegue com isso manter-se viva. No lado produtivo o mais fácil de dispensar não são os trabalhadores, mas sim o investimento futuro!
Investimento futuro é o mais móvel dos fatores, pois ele ainda não foi realizado, seu valor presente líquido é completamente flexível, pode render rios de grana para as empresas, mas pode também ser negativo, dizendo às empresas que não compensa investir naquele momento. Não há dúvida, antes dos trabalhadores corta-se o capital empenhado para o futuro. E depois?!
Depois vêm a vez do trabalhadores, mesma lógica, primeiro os trabalhadores do futuro, logicamente não se contrata mais ninguém, e depois vem os trabalhadores empregados hoje. Como?!
O leitor pode achar que estou fazendo pouco de sua inteligência, mas considerando as duas frases impensadas com as quais comecei esse texto, convém lembrar:
As empresas não compram o trabalhador, elas pagam o seu salário mês a mês, é como se estivessem alugando a sua força de trabalho. No entanto, a maioria das empresas "compra" o seu capital. Em períodos de crise é fácil se livrar de um aluguel, mas muito difícil vender algo. Inovações financeiras permitem que se alugue mais o capital (leasing e outras modalidades). Aluguel não mais se refere a apenas o espaço físico da empresa, tudo pode ser alugado. Se o capital fosse também alugado talvez ele fosse desempregado mais facilmente. Como trabalho e capital são complementares isso traria a consequência de uma equidade maior nesse desequilíbrio tão grande entre demitidos e desatrelamento do capital. As fábricas demitem, mas demoram a vender o capital que possuem, quando o fazem é porque já não lhes resta saída.
Com mais inovação financeira para o mundo real (não só aquela dos derivativos que originaram a crise, essa é muito boa também, mas a seu lugar) seria muito mais viável equilibrar essa balança. Poderiamos ter também de contraparte, a compra da força de trabalho. Não me interpretem mal, a escravidão já acabou a muito tempo, mas nos momentos de crise o que os trabalhadores mais gostariam é de estarem comprados por um período de tempo delimitado, superior a duração da crise e que tivessem uma cláusula de recisão que praticamente os impede de serem demitidos. E isso é perfeitamente viável, pode se ver pela situação de free-lancers, que já há pessoas que não trabalham sobre a forma assalariada, vendem contratos que são atrelados ao seu capital humano, as vezes, contratos de 2 anos ou mais. Nos EUA é onde essa forma de trabalho flexível mais funciona, não é a toa que o patamar deles para desemprego é o mais baixo de todos os países. Os EUA são flexíveis o suficientes para recuperar da crise, e nós?!
* Um Exemplo legal disso é o quadrinho "A Mão Invisível" com roteiro de Terry Laban e desenhos de Ilya, lançado aqui no Brasil em 1998. A história de um estudante de Economia que após a morte do pai descobre que o argumento da "Mão Invisível" cunhado por Adam Smith não foi nada menos do que uma conspiração de uma única coorporação capitalista, governada por uns poucos eleitos. Essa organização secreta, denominada "A Mão Invisível", existente desde o sistema de partidas dobradas, promoveu as revoluções capitalistas pelo mundo, ajudou a derrubar o regime soviético e comprou o leste Europeu.
Bom, como disseram uns, o tempo da ingenuidade acabou. E ingenuidade, nesse caso, é acreditar que existe uma força poderosa oculta, maniqueísta e subliminar atuando contra o emprego de milhões de trabalhadores*. Não me surpreenderia o desemprego norte-americano beirar a casa dos 10%! Logo nos EUA, país que já possui um histórico de patamar de desemprego bem mais baixo do que em diversos outros países do mundo. Vamos retirar a lógica cruel de um ou outro empresário torturador e analisar condições do sistema que o leva a pôr um monte de gente na rua.
Como explico de maneira didática em sala de aula, uma crise é uma reversão de um ciclo de expansão do sistema monetário, uma fase de redução até que ele se encaixe novamente ao tamanho real da economia. A retração pode ser aguda, como na presente crise, ou mais amena, que é o que todos desejariam, retração chamada de soft landing, temos que admitir ao menos a possibilidade de que talvez o soft landing nem exista. Há sempre uma crise ocorrendo, mesmo que moderada, e nunca se pode dizer que o lado monetário teve uma aterrissagem perfeita. Nas crises é preciso cortar excessos do montante de dinhero não realizável, no entanto, é preciso evitar que o corte monetário ocorra de maneira brutal, pois isso pode deixar sequelas na economia real, que são o desemprego de fatores e da mão de obra.
Para usar uma metáfora, nos climas temperados, o ciclo da vegetação é bem marcado pelo florescimento na primavera, exuberância no verão, queda no outono e a seca das árvores no inverno. Uma crise econômica é como o inverno, sabemos que o inverno é necessário, mas também é importante o outono. O outono é uma preparação. Imaginando que o lado monetário são as folhas e o lado real são as raízes e o tronco, no outono a decaída ocorre folha por folha como uma preparação, em uma crise dessas como a que ocorre hoje, é como se do verão passássemos ao inverno de uma só vez e as folhas caísem todas juntas. Um trauma dessa magnitude prejudica a vida da árvore e pode matar seu tronco e a raíz.
No inverno a árvore guarda energia, consumindo o mínimo indispensável, ainda sim, elas preservam algumas folhinhas que são nescessárias para prosperar e crescer novamente, mesmo que não tenha folhas, o tronco guarda o viço. Em uma queda repentina de todas as folhas a arvore morre. O mesmo para a economia, a queda de todas as "folhas" mata o lado real, surge o desemprego, o desaquecimento da produção, encalhe de estoques e perda de confiança. As "folhas" têm de cair devagar e não se pode matar todas, é preciso um ramo vivo para fotossintetizar a recuperação.
Voltando à questão da força de trabalho. Observamos demissões em massa, bancos tentam desalavancar e retornar ao seu tamanho menor ideal e "seguro", ao fazerem isso colocam muitos ativos no mercado desvalorizando-os, fomentando uma desvalorização ainda maior de preços que faz com que o tamanho de seus passivos, realização de lucros, patrimônio líquido (enfim, seu capital) encolha ainda mais.
Os bancos demitiram muita gente, mas a proporção de demitidos no setor bancário é muito menor do que a desova de capital que eles estão promovendo. Porque no setor produtivo é o contrário? Porque o setor produtivo demite mais, ou invés de reduzir também máquinas e equipamentos?
Keynes disse que é por que os salários nominais são rígidos. Sim, mas não só isso. Eu inverteria um pouquinho o raciocínio de Keynes: "Qual é mais fácil de se dispensar?" A árvore ao dispensar ramos se livra da carga das folhas para que as raízes não tenham de alimentar tantas células e consegue com isso manter-se viva. No lado produtivo o mais fácil de dispensar não são os trabalhadores, mas sim o investimento futuro!
Investimento futuro é o mais móvel dos fatores, pois ele ainda não foi realizado, seu valor presente líquido é completamente flexível, pode render rios de grana para as empresas, mas pode também ser negativo, dizendo às empresas que não compensa investir naquele momento. Não há dúvida, antes dos trabalhadores corta-se o capital empenhado para o futuro. E depois?!
Depois vêm a vez do trabalhadores, mesma lógica, primeiro os trabalhadores do futuro, logicamente não se contrata mais ninguém, e depois vem os trabalhadores empregados hoje. Como?!
O leitor pode achar que estou fazendo pouco de sua inteligência, mas considerando as duas frases impensadas com as quais comecei esse texto, convém lembrar:
As empresas não compram o trabalhador, elas pagam o seu salário mês a mês, é como se estivessem alugando a sua força de trabalho. No entanto, a maioria das empresas "compra" o seu capital. Em períodos de crise é fácil se livrar de um aluguel, mas muito difícil vender algo. Inovações financeiras permitem que se alugue mais o capital (leasing e outras modalidades). Aluguel não mais se refere a apenas o espaço físico da empresa, tudo pode ser alugado. Se o capital fosse também alugado talvez ele fosse desempregado mais facilmente. Como trabalho e capital são complementares isso traria a consequência de uma equidade maior nesse desequilíbrio tão grande entre demitidos e desatrelamento do capital. As fábricas demitem, mas demoram a vender o capital que possuem, quando o fazem é porque já não lhes resta saída.
Com mais inovação financeira para o mundo real (não só aquela dos derivativos que originaram a crise, essa é muito boa também, mas a seu lugar) seria muito mais viável equilibrar essa balança. Poderiamos ter também de contraparte, a compra da força de trabalho. Não me interpretem mal, a escravidão já acabou a muito tempo, mas nos momentos de crise o que os trabalhadores mais gostariam é de estarem comprados por um período de tempo delimitado, superior a duração da crise e que tivessem uma cláusula de recisão que praticamente os impede de serem demitidos. E isso é perfeitamente viável, pode se ver pela situação de free-lancers, que já há pessoas que não trabalham sobre a forma assalariada, vendem contratos que são atrelados ao seu capital humano, as vezes, contratos de 2 anos ou mais. Nos EUA é onde essa forma de trabalho flexível mais funciona, não é a toa que o patamar deles para desemprego é o mais baixo de todos os países. Os EUA são flexíveis o suficientes para recuperar da crise, e nós?!
* Um Exemplo legal disso é o quadrinho "A Mão Invisível" com roteiro de Terry Laban e desenhos de Ilya, lançado aqui no Brasil em 1998. A história de um estudante de Economia que após a morte do pai descobre que o argumento da "Mão Invisível" cunhado por Adam Smith não foi nada menos do que uma conspiração de uma única coorporação capitalista, governada por uns poucos eleitos. Essa organização secreta, denominada "A Mão Invisível", existente desde o sistema de partidas dobradas, promoveu as revoluções capitalistas pelo mundo, ajudou a derrubar o regime soviético e comprou o leste Europeu.
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