Apresento-lhes orgulhosamente a minha estante! |
"Olhos os livros na minha estante, que nada dizem de importante, servem só pra quem não sabe ler."
- Raul Seixas
Afora as mortes, o pesar, o caos, o medo, o abatimento e o desânimo, que não falarei nessa postagem, alguns fenômenos sociais curiosos aconteceram durante essa pandemia, a primeira, que pude observar logo no início da pandemia, foram as estantes que viraram símbolos de ostentação. Agora todo mundo que aparece em uma Live precisa aparecer com uma estante atrás.
Vou contar uma história sobre estantes, essa aí do lado é a minha estante em casa, um pouco desorganizada e não muito ostensiva.
Tenho outras três estantes, uma no escritório, na faculdade onde trabalho (na verdade é um armário com muitos livros), as outras duas estantes estão no meu antigo quarto na casa da minha mãe. Isso que é ostentação, hein! Uma delas foi herança do meu avô que, ainda em vida, precisou se desfazer de uma bela estante de jacarandá, a outra eu comprei na Silviano Brandão, famosa avenida moveleira de BH. É sobre essa estante que irei contar uma história.
É compreensível que estantes tenham aparecido como uma surpresa durante essa pandemia. Elas revelam um lado desconhecido para a maioria dos brasileiros: a de que os livros existem e em quantidade suficiente para serem guardados numa estante veja só! Até fizeram piadas sobre isso.*
Em meados de 2010 ou 2011 decidi procurar uma estante na Silviano Brandão, a avenida a que me referi acima, a velha estante do meu avô não estava dando mais conta de guardar tantos livros, uma nova estante havia virado uma necessidade. Para minha surpresa foi difícil achar uma estante em uma avenida destinada só para móveis. Eu entrava nas lojas, perguntava sobre uma estante e as lojistas faziam cara de "O quê?! Do que você está falando?" Sem brincadeira, em várias lojas perguntar sobre estante soava algo estranho. Havia armários, mesas, sofás, cômodas, mas estante. Em uma loja me disseram que a última estante vendida tinha sido a algum tempo.
Continuei minha busca pensativo: "claro que estantes ficaram fora de moda. Para quem tem poucos livros, a maioria dos brasileiros, qualquer pequeno armário ou rack de TV serve, não é preciso de uma estante, ela ficaria vazia. Por outro lado, quem tem muito dinheiro tampouco precisa de uma estante, pode fazer móveis e uma decoração sob encomenda, ou seja, encomendará uma estante diretamente em que faz salas planejadas e decoradas, prateleiras enfileiradas ou nichos gradeados resolvem bem a questão". Pensativo sobre essas coisas e quase decidindo entre procurar por prateleiras ou pegar uma daquelas estantes de aço do tipo "faça-você-mesmo" e que às vezes aparecem em uma cozinha ou garagem encontrei enfim uma estante de madeira, espécie em extinção.** Era uma boa estante, me atendeu bem e guarda muitos dos meus livros até hoje.***
Tomara que após essa pandemia e essas lives de ostentação as estantes voltem para ficar perante um público mais amplo. Amigos leitores me confirmaram que também sentiram dificuldades em comprar estantes durante a década passada. Minha dica é comprar na internet, essa última que comprei (a da foto) eu comprei pela internet e montei eu mesmo, não é uma estante muito grande como vocês podem ver, mas foi bem em conta. Comprei direto de Ubá-MG, cidade moveleira de Minas Gerais.
Finalizando, uma impressão que fiquei é de que os livros estavam atuando como respaldo para o interlocutor dizer qualquer bobagem (até comediante ficou com inveja das tais portentosas estantes). Não basta ter livros por trás é preciso lê-los, óbvio! Teve live de gente se espremendo na frente da sua estante só para dar aquela impressionada. A maioria só deve ter mesmo a leitura axilar ou cenográfica.† Engraçado mesmo foi a estante vazia do Paulo Guedes. O ponto é que a pandemia mostrou o interior das casas, o brasileiro aculturado (e geralmente sem grana, coitado) se embasbacou com a ostentação: "Pra quê tudo isso?!", o brasileiro demente acha que aquilo é sinal de alguma coisa (não vale uma pataca pra quem não tem nada a dizer). É preciso avisar que não adianta nada ter a casa cheia de livros, mas a mente vazia de ideias.
Leiamos mais.
* Imagens de estante como fundo para gravar vídeos viraram memes na internet e até um produto na Amazon (leia a história para entender como o meme virou realidade).
** Na verdade um MDF que imitava madeira, mas que servia e estava bonita.
*** Acho que o mais bonito mesmo é ler os livros e doá-los todos, quem faz isso nem precisa de estante. Pratica o desapego e fica com uma bagagem mais leve. Eu dôo uma pequena fração dos meus livros, cada vez me dedico para doar mais, mas ainda não consigo ser tão desapegado assim. E no caso da estante que está hoje onde moro, a maioria dos tomos ali presentes são exemplares que ainda não li, é um estoque ainda a ser exaurido.
† Sou um grande leitor axilar, já carreguei muito livro debaixo do braço e consegui ler apenas algumas poucas páginas. Na verdade a prática se justifica para deixar o livro sempre a mão, é uma maneira de deixar a leitura mais acessível. Vários livros eu consegui terminar, mas outros ficaram para serem concluídos depois, ou então tive de devolvê-los para as bibliotecas.
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