sexta-feira, 6 de março de 2009

Curso de Microeconomia A1

Esta semana comecei a lecionar na UFMG um novo curso de economia para alunos das Ciências Contábeis. Desde a graduação ouço comentários gerais entre economistas que poderiamos sempre tentar fazer uma classificação de pontos que fosse um pouco diferente da classificação do tipo mais tradicional onde o professor distribui pontos de acordo com as notas dos alunos em uma escala que geralmente varia de 0 a 100. Muitos tem na consciência que não é o esquema de incentivos corretos, ou uma comparação de que notas para os alunos são como os salários na economia real, quanto mais produtivo o aluno, maior nota ele terá.

Como usar um esquema de incentivos econômicos para estimular participação em sala de aula e direcionar incentivos corretamente, ao mesmo tempo em que se dá liberdade aos alunos de escolherem integralmente a nota que desejam ficar no conceito final. Um esquema de preços é o que fornece mais liberdade individual, os economistas percebem suas falhas, mas ainda assim suas vantagens superam em muito os erros, com orientação correta a informação pode se corrigir rapidamente.

Pensando bem, o esquema meritório de avaliação por provas confia muito na capacidade de discriminação do professor, este se torna onisciente do conhecimento dos seus alunos e com capacidade de distribuir notas taxativas em relação ao conhecimento de seus pupilos. Em muito, este esquema é inescapável, mas é confiar demais na habilidade de julgamento total do professor, além de colocar um excessivo peso à sorte para o aluno: "vai que no dia de prova o aluno estudou justamente o que não caiu".

Paralelamente a isso, um estalo de como aplicar preços em sala de aula me ocorreu quando vi mais uma notícia de aplicação de micromoedas em comunidades não muito maiores do que um bairro, como as que existem com o Palmas em Fortaleza ou em algumas outras experiências locais: é possível criar uma micro moeda e ela gera os mesmos incentivos benéficos de preços que uma moeda qualquer possui, afinal o território de um país é de certa forma arbitrário.

Dediquei esforço, então, para fazer um programa da disciplina microeconomia A1 que leve em consideração as possíbilidades da economia para incentivar os alunos participarem e que ao final lhes dê liberdade para decidir sobre sua nota. De certo modo, o professor continua com um poder de lançar créditos, mas através da cobrança de presença diária e através de um sistema que incentive participação com intervalos menores de maneira que sejam feitos com trabalhos interessantes feitos em em sala de aula, visando aplicação prática de conceitos diários de microeconomia é possível tornar a avaliação bem mais difusa, assim como são as correções diárias do mercado (por mais que elas variem muito com mudanças de expectativas). Pequenas frações diárias das notas parecem serem mais justas do que o lançamento todo de uma vez.

Idéias boas não andam sozinhas, ao mesmo tempo pensava no futura da moeda virtual. Aos poucos o dinheiro em cheque, papel, moedas e outras formas vai se configurando cada vez mais obsoleto, talvez no futuro haja apenas moeda contábil, fiduciária, eletrônica. Bom, com um meio de pagamento assim, porque não unir todas as moedas do mundo em uma só. Há muitos cartões de crédito que já são aceitos no mundo inteiro. Um futuro utópico seria aquele de apenas uma única moeda mundial, ou melhor, um mundo onde não haja mais moeda, a pessoa tem o seu valor no banco, mas esse valor é como um crśdito pessoal, ou seja, seria possível discriminar perfeitamente o quanto aquelas pessoas acrescetam em produção e utilidade das outras pessoas por meio das trocas que ela faz. É como se cada indivíduo fosse proprietário de uma bandeira pessoal e particular de cartão de crédito, onde a credibilidade seria dada pelo o potencial, investimento e valorização dos serviços e bens que esta pessoa pode produzir.

Pensando nessas idéias é que amadureci a proposta de avaliação que divulgo aqui no blog. A seguir apresento uma seção comentada do programa onde proponho a criação de uma micromoeda válida apenas para a classe de microeconomia A1 do curso de ciência contábeis da UFMG que conta apenas com 50 alunos e um professor:

Programa da Disciplina: Microeconomia A_I – ECN 061

Curso: Ciências Contábeis – Turma E

Prof. Victor Maia Senna Delgado

vmaia@cedeplar.ufmg.br

victor.maia@fjp.mg.gov.br

Carga Horária: 60h – Créditos: 04

Ano Letivo: 2009 – 1º Semestre.


Ementa:


A disciplina Microeconomia AI tem como objetivo aprofundar os tópicos de microeconomia abordados na disciplina Economia AI. A matéria envolve analisar o processo de escolha dos consumidores através da teoria do consumidor e o processo análogo de decisão e formação de custos da firma, teoria da firma. A teoria do consumidor é capaz de explicar detalhes mais aprofundados da escolhas do consumidor, preferências e elasticidade preço, substituição e renda. Serão propostos também exemplos práticos e desenvolvimentos modernos da teoria envolvendo esses assuntos, como aplicação das decisões econômicas em decisões familiares, assim como aplicações da teoria dos leilões, externalidades, seleção adversa, risco moral, teoria dos incentivos, modelo principal-agente, teoria dos jogos e raciocínio lógico envolvendo a microeconomia. A teoria da firma irá aprofunda nas modalidades diferentes da estrutura de mercado, assim como a composição de custos econômicos das firmas e dos custos sociais, como associar custos as operações contábeis, Valor Econômico Agregado, noções de equilíbrio geral e estabelecimento dos direitos de propriedade.


Avaliação:


A avaliação é composta de um sistema de créditos que totalizam 100 pontos distribuídos da seguinte maneira:

  • 20 % para frequência. (20∙n pontos)
  • 30 % Provas de conhecimentos (duas provas, 30∙n pontos).
  • 50 % 10 Trabalhos propostos em sala de aula e participação. (50∙n pontos).


n é o número de alunos regularmente matriculados no início da disciplina, sendo assim, se houverem 10 alunos matriculados no primeiro dia, serão distribuídos 1000 pontos para a turma toda. A distribuição de pontos e como os alunos irão obtê-los dependerá dos critérios de participação acima estipulados: frequência, trabalhos, participação e provas. Como exemplo, se dessa turma de 10 alunos apenas um fizer as provas, frequentar as aulas e participar dos trabalhos, ele obterá todos os 1000 pontos válidos, superando em muito os 100 pontos individuais necessários para passar com conceito máximo na disciplina.


*A idéia aqui é que alguns alunos podem ser mais do que bons, a nota será distributiva, assim como os ganhos na economia. O aluno que superar os 100 pontos necessários poderá obter um ganho econômico com isso, provavelmente merecido devido seu esforço ao longo do curso.


Há um problema de distribuição: ao final do curso será possível construir uma curva de Lorenz demosntrando a desigualdade entre as notas, mas creio que em uma turma pequena e relativamente homogênea teremos com certeza coeficientes de gini perto de 0.1 ou 0.2. Ou seja, do ponto de vista igualitário será até bem distribuída.


Os pontos serão obtidos de maneira a simular a cotação de uma micromoeda válida apenas para a turma, chamada de mícron (μi$), ao final do semestre cada aluno deve ter no mínimo 60 mícrons para passar. Na prática, um mícron vale um ponto, mas a cotação da moeda irá variar a cada dia de aula de acordo com a oferta de trabalhos e participação dos alunos. O professor é ofertante de pontos e os alunos são ofertantes de mícrons. O professor demanda mícrons para verificar a participação dos alunos e os alunos demandam pontos para conseguir qualificação necessária e passar na matéria. Abaixo segue a tabela dos valores em créditos:

Cotação inicial:

μi$ 1,00 = 1 ponto.


* O professor passa a ter aqui uma importante função de Banco Central, regulando as operações de troca do câmbio, controlando suas reservas.


Como nos modelos de equilíbrio geral partiremos de uma situação de preços estabelecidos e a troca dos alunos entre si e com o professor determinará o verdadeiro preço dos trabalhos, participação em aula frequência e provas. Isso ocorrerá com alterações do câmbio de mícrons e pontos:


2 horas de aula = 1 ponto (a cada dia de aula são oferecidos 1ponto∙n)


n é o número de alunos matriculados na disciplina. Se a disciplina obtiver 30 alunos matriculados, então, a cada dia de aula regular serão ofertados 30 pontos apenas pela presença. Se todos os 30 estiverem presentes são distribuídos 30/30, ou seja, um ponto para cada aluno. Se vier apenas um aluno, ele ganhará todos os 30 pontos ofertados no dia, muito embora, após esse dia a cotação dos pontos irá desvalorizar para μi$ 1,00 = 30 pontos, o aluno ao invés de precisar de apenas 60 pontos para conseguir μi$ 60,00, precisará de 1800 pontos.


Posto dessa forma, é vantajoso para o aluno ser o único a comparecer em uma aula, pois ganhará muitos créditos de uma só vez, entretanto, não é um incentivo para a turma toda faltar demais, a desvalorização do mícron prejudica os demais alunos e a quem já possui poucos pontos.


1 Prova = 15 pontos (no dia da prova serão ofertados os pontos das aulas + os pontos das provas)


Novamente, será oferecido um total de 15∙n pontos, e a nota será relativa, se todos os alunos se saírem igualmente bem, “fechando” a prova, cada um ganhará individualmente 15 pontos, porém, se por acaso haja os que estudaram mais e mereçam maior nota, estes ganharão mais pontos do que os outros.


1 Trabalho = 5 pontos.


Os trabalhos são o componente mais importante da avaliação e requerem participação em sala de aula, não envolverão muito trabalho escrito, mas sim de interação dos alunos ao longo da aula e de entendimento correto dos conceitos de microeconomia. Os trabalhos estão discriminados ao longo das aulas descritas no programa e envolvem conhecimento sobre os tópicos da matéria.

Para possibilitar o acompanhamento das aulas e para que cada aluno observe a sua pontuação do tipo “pontos corridos” será divulgado ao final de cada dia de aula no moodle, uma tabela do seguinte modelo:


* Os pontos serão distribuidos como uma tabela de pontos corridos, e a conferência diária permitirá os alunos se controlarem bem mais do que em um cruso normal.


Exemplo de Tabela de Pontos Corridos dos Alunos de Micro:

Disciplina: Microeconomia A_I – ECN 061

Curso: Ciências Contábeis

Turma: E

Prof. Victor Maia Senna Delgado

vmaia@cedeplar.ufmg.br

Aula 01 dia 03/03/2009

Observação: Aula expositiva.

Cotação do mícron

μi$ 1,00 = 1 pt

Nome

Matrícula

F

Pontos dia

Total de Pontos

mícrons

(μi$)

1. Abelardo Barbosa

2008000001

X

1

1

1

2. Bruna Surfistinha

2008000002

X

1

1

1

3. Cicrano de Moraes

2008000003

X

1

1

1

4. Fulana Menezes

2008000004

X

1

1

1


Pontos Ofertados = 4 (1n pontos de presença).

Pontos Demandados = 4 = mícrons ofertados.


Todos vieram no primeiro dia de aula e ganharam um ponto. Suponha que no dia da aula 02 haja um trabalho valendo 5 pontos e Cicrano de Moraes tenha faltado esse dia e os demais colegas foram a aula, mas Abelardo e Bruna obtiveram nota 4 e Fulana obteve a nota mais alta, igual a 5. Depois desse dia o quadro ficaria assim:


Disciplina: Microeconomia A_I – ECN 061

Curso: Ciências Contábeis

Turma: E

Prof. Victor Maia Senna Delgado

vmaia@cedeplar.ufmg.br

Aula 02 dia 05/03/2009

Observação: Aula com trabalho.

Cotação do mícron

μi$ 1,00 = 1 pt

Nome

Matrícula

Freq

Pontos dia

Total de Pontos

mícrons

(μi$)

1. Fulana Menezes

2008000004

X

6

7

7

2. Abelardo Barbosa

2008000001

X

5

6

6

3. Bruna Surfistinha

2008000002

X

5

6

6

4. Cicrano de Moraes

2008000003

_

0

1

1


Pontos Ofertados = 24 (5n pts de trabalho + 1n pontos de presença).

Pontos Demandados = 16 = mícrons ofertados.


Como foram ofertados mais créditos do que os apropriados pelos alunos a cotação do mícron irá alterar. Como um aluno não foi à aula isso quer dizer que ele não valorizou a aula 02 isso provocará uma desvalorização do mícron em termos de pontos:


μi$ 1,00 = 1,50 pontos


Obtido por meio da divisão de pontos ofertados/mícrons ofertados:

Se todos participarem da aula seguinte a classificação ao fim da aula 03 se torna:


Disciplina: Microeconomia A_I – ECN 061

Curso: Ciências Contábeis

Turma: E

Prof. Victor Maia Senna Delgado

vmaia@cedeplar.ufmg.br

Aula 03 dia 10/03/2009

Observação: Aula expositiva.

Cotação do mícron

μi$ 1,00 = 1,517 pts


Nome

Matrícula

Freq

Pontos dia

Total de Pontos

mícrons

(μi$)

1. Fulana Menezes

2008000004

X

1

8

5,273

2. Abelardo Barbosa

2008000001

X

1

7

4,614

3. Bruna Surfistinha

2008000002

X

1

7

4,614

4. Cicrano de Moraes

2008000003

X

1

2

1,977


Pontos Ofertados = 4 (1n pontos de presença).

Pontos Demandados = 4 = mícrons ofertados.


Os dias em que a oferta igualar a demanda por pontos, a cotação do mícron não variará.


* Para tornar o curso realmente interessante, o ideal é que esses mícrons sejam convertidos em Reais. Na prática, o aluno pode comprar sua nota na matéria, mas como a cotação do mícron virá variar ao longo do semestre, isso não será simples assim, os mícrons que o aluno comprou no início podem estar mais desvalorizados ao final, ainda mais se for um aluno "vagabundo" que não participa e não obtêm os mícrons de forma produtiva em termos da classe, o que requer sua presença e participação. Além do mais, as evidências mostram que é preciso fiar na capacidade das pessoas de serem prudentes quando se trata de dinheiro. O aluno irá pesar o quanto vale pagar para ter a "desutilidade/' presente de estudar e se o valor for de mercado e justo a grande maioria escolherá comprir os pontos por vias normais do trabalho"


Assim como os espanhóis, o sistema de mercado afirma: "No Hay Atajo sin Trabajo".


Qual seria esse valor justo?


Não é muito difícil, disciplinas de faculdades particulares têm um preço no mercado. Adotando um preço médio de 600 reais por aluno teriamos que o valor potencial para a turma E de microeconomia A1 que tem 50 alunos é de 30 mil reais.


Pegando esses 30 mil reais e dividindo por 5000 que serão o total de pontos distribuídos, obtemos que cada ponto vale:


6 Reais.


Para um aluno passar com nota A (conceito >= 90) ele terá de pagar mais de 540 Reais.


Se quiser simplesmente passar com D (60 =< conceito ="<">


Muitos alunos devem prefiri cursar o curso. De todo modo cabe a compra como último recurso.


O problema desse método é que o Banco Central (Eu, humilde professor) não tenho 30 mil Reais de recursos para cobrir eventual cobrança de todos os reais que os alunos teriam direito de reivindicar pelas regras. E em uma outra situação hipotética para a reserva de recursos, onde todos os alunos ficam com 100 e querem passar apenas com 60. Seriam ainda assim necessários 18 mil reais de reservas.


Há um claro incentivo do professor não facilitar a nota já que ele é o Banco Central e o Distribuidor da oferta de pontos ao mesmo tempo. Estou tentando equacionar esse problema. O Banco Central poderia começar com caixa zero mas corre o risco de quebrar e não tornar crível a torca de mícrosn por reais. Estou pensando em algumas soluções. Talvez não adote o sistema de conversão para Reais, o que deixa o modelo mais fraco, mas há algumas boas opções para a sua adoção. Uma delas é levantar fundos entre os alunos, já que estes é que ganharão o valor futuro na matéria. (Thinking ...)


Por fim, dois últimos problemas que percebi após o segundo dia de aplicação é que há uma tendência natural a desvalorização do mícron. Ele variará, mas como é difícil a oferta de mícrons superar a oferta de pontos o mícron dificilmente baterá de volta na cotação inicial de 1 mícron = 1 pt. O mícron oscila, mas terá um limite superior no 1,00. Isso não é tão problemático, já imaginei como remediar podendo permitir uma pequena variação para cima do 1, depende da turma responder bem aos estímulos.


O último foi fácil de contornar. A cotação do mícron é diária e fortemente determinada pela presença em sala de aula quando não há trabalho, então seria possível os alunos se organizarem no último dia de aula para o mícron se valorizar artificialmente: "se ninguém faltar o último dia a cotação do mícron sobre facilmente para 1 mi = 1 pt" Isso corrigiria a nota em pontos daqueles que estavam lá em baixo em mícrons. Isso se corrige, simplesmente usando o mícron médio ao longo do curso.


Colocarei os resultados no Blog em breve e algumas análises durante o desenvolvimento do curso. E há sempre a possíbilidade do turn off geral e adotar simplesmente os pontos sem mícrons caso dê encrenca esse esquema revolucionário :).

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