terça-feira, 14 de outubro de 2008

Jogos, Instituições e Sociedade

Vez ou outra os cientistas sociais reavivam a importância de se analisar as instituições para explicar diferenças entre sociedades. Tal necessidade surge porque é preciso identificar as regras pelas quais uma sociedade se rege. O processo é, portanto, o mesmo que ocorre em outras diversas áreas do conhecimento humano: primeiro a observação permite a identificação de padrões, depois de identificados, os padrões servem para a construção de raciocínios lógicos.

Um dos mais recentes avanços na área de tecnologia administrativa é o desenvolvimento de softwares que auxiliam os humanos na tomada de decisões. Por enquanto, tais softwares auxiliam apenas a tomada de pequenas e relativamente simples decisões, mas esse campo ainda tem muito que evoluir, sua evolução será possível a medida que forem identificadas regras que permitem os computadores tomarem decisões acertadas.

O avanço da inteligência artificial passará pela identificação de padrões humanos de comportamento. Não é tão impossível quanto parece a primeira vista. Alguns softwares desenvolvem a chamada programação heurística para simularem o raciocínio humano. Jogadores de xadrez computadorizados utilizam-se desse princípio. Eles processam as informações em pequenas partes, e as gradativas combinações das informações do jogador adversário permitem o computador criar sua própria estratégia de ação.

Tais computadores não são imbatíveis, a mente humana é também lógica, no entanto, uma característica do raciocínio humano é que existe um limite para sua extensão. Os melhores enxadristas profissionais são aqueles que conseguem visualizar o desdobramento da partida dez ou mais jogadas a frente. Porém, raramente conseguem visualizar o desdobramento de uma partida inteira (depende da força de seu oponente).

Jogos são exemplos interessantes para abstrairmos as regras da sociedade. Todo jogo possui regras a serem seguidas por seus participantes e seguir as regras permite o correto desenvolvimento de uma partida. Uma das mais interessantes analogias que pode-se usar para descrever o funcionamento da sociedade capitalista é a que compara a economia com o futebol. Em comparação com o xadrez existem muito mais elementos: vários participantes, comissão técnica, trio de árbitros, torcida e, principalmente, muita emoção.

Um jogo de futebol é basicamente dois times lutando em busca do gol. Cada time procura maximizar seu saldo de gols. No aspecto individual, cada jogador pretende fazer o melhor para o seu time, conseguir o máximo de gols a favor e o mínimo de gols contra. No fundo a atuação de cada um dos jogadores é a sua satisfação individual, “cada um procurando o melhor para si mesmo”. Tal corolário não nos leva a um individualismo extremo, afinal, em um time cada jogador se complementa, há uma divisão de tarefas.

Pode se pensar que os interesses em relação aos jogadores do outro time são conflitantes, entretanto, isso se estende até certo ponto. Em última instância, o benefício maior é o jogo. Por isso são tão comuns as peladas país afora, amigos se reúnem para disputar uma partida, não importa muito em qual time vão estar. O interesse nesses casos está no benefício da partida e não no ganho de um time.

A característica mais humana dos jogos de futebol se apresenta quando os ânimos se exaltam. Em uma partida é comum surgirem conflitos, por isso são necessários os árbitros. Em partidas amadoras os árbitros são geralmente dispensados; há uma relação de confiança prévia, e que muitas vezes poderá ser confirmada em partidas posteriores. O jogador pouco confiável não será chamado para a próxima partida e essa é a sua principal punição.

Em jogos profissionais é o arbitro que impede que um time saia quebrando o outro para conseguir vencer a partida; afinal, os times se enfrentam poucas vezes em um campeonato e como esse tipo de jogo pode maximizar o resultado, é uma estratégia viável, no entanto, não permitida.

Os árbitros e os bandeirinhas são as autoridades da partida. São eles que garantem o seguimento das regras, são como o judiciário. Estão sujeitos a erros e por isso se levanta a questão de quais recursos tecnológicos os podem auxiliar.

A comissão técnica se compara ao executivo, seu objetivo é, aceitando as regras, conduzir seu time a vitória. Para isso o técnico tem que conhecer as melhores táticas para o desenvolvimento do time, saber qual o melhor momento para aproveitar as características de cada um de seus jogadores, ter sentimento para identificar quando alternar titulares e reservas, dar chance a todos e, por fim, escolher sempre os melhores.

As federações nacionais e internacionais fazem a parte do legislativo, cuidam das regras do jogo satisfazendo os anseios da sociedade futebolística e preservando o futebol como instituição.

Regras são o fundamento básico para desenvolvimento lógico, mas não previsível, de uma partida. Assim deve ser com os cientistas sociais. Devem identificar quais são as regras em sua sociedade e desenvolver argumentos. As sociedades mudam e assim mudam também as regras. Os cientistas devem identificar essas mudanças e mudar suas conclusões a partir delas. O próprio jogo de xadrez mencionado é um jogo bastante teórico, no entanto, quando as peças são simplesmente aleatoriamente colocadas nas duas primeiras e duas últimas fileiras quase todas suas seculares teorias caem por terra. Identificar as instituições e saber quais são as condições que contornam nossas escolhas é tarefa importante a não ser esquecida por alguém que queira estudar a humanidade.

Um comentário:

Victor M Senna disse...

Esse texto possui alguma semelhança com o que disse Hayek em seu Pretense of Knowledge:
http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1974/hayek-lecture.html
Em um dos últimos parágrafos.