quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Imagine

John Lennon era um cara e tanto, está sem dúvida entre as 20 personalidades mais influentes do século XX e continua vivo para todos aqueles que apreciam sua música e seu pensamento. Apesar de se dizer comunista, ninguém esteve tão longe em vida dos ideais comunistas quanto o músico que começou de uma vida difícil e pobre, fez fortuna e propagou suas ideias por meio de um descumunal talento, esforço, dedicação e senso para o sucesso e foi assassinado por um lunático aficionado por sua personalidade inquieta. Mas Lennon está para o comunismo assim como a Terra está para a GRB-090423, a estrela mais distante do universo conhecida até agora.

A máxima disso está evidenciada na letra de Imagine de 1971. Costumo a interpretar que a letra de "Imagine" é um sonho libertário possível pelo capitalismo e não um sonho comunista possível pelo socialismo, mesmo tendo Lennon afirmado que a música é anti-capitalista.

Ouçamos:

John Lennon
Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today
Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace
You may say
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one
Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world
You may say,
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will live as one
Vejamos então trecho por trecho:

"Imagine there's no heaven, It's easy if you try, No hell below us, Above us only sky..."

- No mundo de Lennon não há céu nem inferno, na verdade, ao longo da letra veremos que ele prega o céu na Terra, ou seja, um mundo de convivência harmônica e pacífica com abundância material, "acima de nós apenas o céu", a natureza é o limite, esse é o sonho libertário também.

"... Imagine all the people Living for today".

- "Carpe diem", um princípio hedonista! Em verdade isso que o Lennon tá dizendo é muito usado por pessoas que querem na verdade criticar o capitalismo, as pessoas viverem só pelo hoje, mas viver pelo hoje é a lógica correta em um mundo que tenha alcançado a abundância material.

"Imagine there's no countries, It isn't hard to do, Nothing to kill or die for..."

- Um mundo sem fronteiras é o paradigma final de uma plena globalização. Um mundo de pleno comércio requer que sejam baixadas aduanas e que a convivência seja pacífica. É isso que os libertários mais apregoam. Um mundo com livre mobilidade de pessoas, você pode ir da Inglaterra à Índia quando quiser e será bem vindo... Apesar de alguns lucrarem com guerras, no longo prazo, elas só atrapalham o livre comércio. Há uma relação clara entre paz e prosperidade.

"... And no religion too, Imagine all the people, Living life in peace"

- Não há religião. Esse é um efeito do secularismo efeito do progresso material. No secularismo a liberdade de religião é plenamente permitida, inclusive a liberdade de não religião. O comércio justo não vê cor, ideologia, comportamento, crença ou religião, é liberdade. E com um motivo a menos para as pessoas brigarem a vida se torna mais pacífica.

"You may say, I'm a dreamer, But I'm not the only one, I hope some day, You'll join us, And the world will be as one."

- Nós libertários somos sonhadores, mas não estamos sós, junte-se a nós e o sonho de um mundo mais próspero, justo, livre e unificado será cada vez mais real.

"Imagine no possessions, I wonder if you can, No need for greed or hunger, A brotherhood of man, Imagine all the people, Sharing all the world"

- Um mundo sem posses! Esse é um ponto sensível para a interpretação libertária de Imagine. Comecemos pelo 'Sharing all the World': em um mundo com progresso material capitalista (que não descarta a propriedade) as pessoas chegarão a esse resultado. Imagine que todas as posses tenham suas contrapartidas em ações, títulos e serviços.

O resultado final aqui é mais ou menos um mundo onde todas as propriedades são de empresas e as pessoas pagam aluguéis e serviços sobre tudo o que utilizam. O indivíduo não teria mais posse de nada, mas ao mesmo tempo seria dono de tudo, pois cada pessoa seria acionista de várias empresas, isso é possível com a evolução material trazendo mais riqueza para todos. O resultado final desse mundo em que todo o patrimônio líquido fica a cargo de entidades como empresas que possuem milhares de acionistas (que são todos da população) é que todas as pessoas teriam ações desde o mais pobre até o mais rico (na verdade nem faria muito sentido pensar assim, pois nessa riqueza e liberdade a diferença entre ricos e pobres não seria tão grande). Então, nesse mundo , as pessoas escolheriam as empresas sobre as quais participar de acordo com suas livres preferências individuais, e independente do que ela escolha, ela sempre teria um aporte de recursos advindos de pessoas como ela com composições ligeiramente diferente sobre as empresas sobre as quais é dono.

Isso é um mundo com todas e nenhumas das posses! Todos partilhando a riqueza de acordo com suas preferências.

E novamente o bordão: "You may say, I'm a dreamer, But I'm not the only one, I hope some day You'll join us, And the world will live as one..."

É possível, vamos lá, estude mais economia, veja as inúmeras evidencias onde um comércio livre traz mais liberdade econômica e pessoal, lute pela concorrência leal e justa, pela posse e propriedade de empresas por acionistas minoritários, pela diminuição de aduanas, pelo livre e acessível movimento de pessoas e formação humana...

E para quem me disser que Lennon está revirando no túmulo eu retruco que ele não acreditava em vida após a morte (Lennon está vivo apenas na cabeça de quem ainda vive).

sábado, 18 de setembro de 2010

Doutorado em Demografia nota 7 na Capes

A cada três anos a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior) realiza avaliação dos cursos de pós-graduação existentes no Brasil. Essa avaliação leva em conta o número de artigos publicados pelo departamento, a colocação desses artigos nos journals internacionais, o número de mestres e doutores formados, produção de conhecimento acadêmico de fronteira, qualidade das instalações, horas-aula, atendimento à alunos de outras nacionalidades, recursos institucionais e uma sére de outras medidas para auferir e qualificar o curso dentre os seus pares na área.

Esse ano, o curso de demografia da UFMG, do qual participo como aluno do doutorado, recebeu a distinção máxima (nota sete), na avaliação da capes. A distinção foi devidamente comemorada por todos no departamento, pois é o reconhecimento do trabalho científico realizado pelo centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR), centro que reune as pós-graduações nas áreas de economia e demografia aplicados à área de ciência regional.

Na foto, o professor Clélio Campolina (de terno no centro, fundador do Centro), demais distintos professores, funcionários e alunos da Demografia, antes do coquetel que comemorou a nota 7 da CAPES.

Conto aqui um pouco de minha história acadêmica que me levou ao doutorado em demografia e porque vejo essa área como importante para o estudo de ciências humanas e sociais.

Sou um economista hard, para os quais defino assim um economista que respira, pensa, ensina, bebe e digere economia 24 horas por dia. Os economistas assim denominados desenvolvem uma forma muito particular de pensar sobre os problemas do mundo, certa vez, ouvi de um professor que um bom curso de economia não é aquele que ensina técnicas no qual o aluno aprende conceitos e aplicações sobre o que é ensinado, mas sim um curso que ensina a como pensar sobre determinados problemas básicos.

Em verdade, creio que um cientista econômico ativo se torna, antes de tudo, um sujeito muito criativo. O economista deve ser responsável por coordenar lógicamente problemas relacionados à escolhas sociais é o profissional que delimita o que devemos fazer pelo bem-estar humano e material de uma sociedade e decide rumos. Por vezes, se tornam criativos demais, e necessecitam colegas de outras áreas (a chamada multidisciplinariedade) para lhes colocar os pés no chão.*

Devo minha formação como economista à uma base sólida na UnB, fui aluno aplicado, índice de rendimento acadêmico 4/5, talvez aplicado até demais, já que alguns defendem que só se aprende economia mesmo durante o mestrado. Mas não vejo assim, entendo que há bons alunos de mestrado provindos de outra áreas de formação que são bons no manejar da técnica mas sem base sólida, não pensam muito como economista. Outros desenvolvem muito bem isso.

A UnB me deu uma base sobre a qual sou grato até hoje. Para ingressar em um mestrado de economia é uma boa idéia fazer o exame nacional da ANPEC (Associação Nacional dos centros de Pós-graduação em economia). Esse exame segue uma lógica interessante**, uma prova nacional composta de seis provas:

1. macroeconomia.
2. microeconomia.
3. matemática.
4. estatística.
5. economia brasileira
6. inglês

Cada centro pode optar pelos pesos que se atribui a cada uma das provas, geralmente isto está ligado à linha acadêmica do centro. A maioria deles adota o padrão de peso igual a 0.2 para os cinco primeiros exames, o inglês não se pode tirar zero, mas não conta para a clssificação. Funciona mais ou menos como um vestibular unificado, mais ou menos o que o ENEM quer realizar para as universidades. Os candidatos listam os centros de preferência e depois do resultado são convidados de acordo com a classificação.

Pois bem, como aluno comprometido eu tinha a meta de ficar entre os 100 primeiros. Fiz o exame duas vezes, uma em 2003 antes de me formar (na qual fiquei lá pelos duzentos e não aceitei nenhuma oferta) e a segunda vez para a qual me apliquei mais e consegui ficar perto dos 100. Embora não tenha conseguido ficar entre os 100 primeiros como era a meta. O que ocorre é que na ANPEC o sistema de classificação é relativo, já que as notas em cada uma das provas são normalizadas pela média e desvio padrão. A prova que mais distingue os 'meninos' dos 'homens' é a de matemática. Foi a que mais estudei, porém, ainda assim, no meu conjunto de provas , matemática foi a que obtive o pior desempenho. Minha explicação do quadro aqui é a seguinte:

1. Ao longo do curso de economia não fui orientado sobre o peso que matemática teria para uma pós-graduação. Na verdade, vim de uma família de pais com nível superior mas não-acadêmicos, ao entrar na universidade nem tinha uma idéia do que era mestrado e doutorado. Os professores também não procuram esclarecer muito, acho que pelo costume de muitos desistirem ao longo do caminho. Vim a ter concepção melhor do que é uma pós ao final do curso. Por conta disso, no curso todo me concentrei nas matérias de economia e não tanto nas de matemática, fiz algumas sim, mas visto do ponto de vista retrospectivo, eu teria pego mais opcionais na matemática.

2. Pode ser que pegar matérias na matemática não me ajudasse muito, sempre fui um tanto melhor com matemática aplicada. Sendo que muitos conceitos e técnicas matemáticas eu incorporei melhor depois de saber melhor para quê serviam. Falha minha, eu sei, mas também traço de persona.

3. Por conta de 2, e de uma carreira escolar de altos e baixos na matéria, sempre fui um pouco nervoso com provas de matemática. Ainda assim, gosto de matemática, tanto que escolhi economia, só me esqueceram de avisar que ela teria um peso maior.

Fim do quadro: não adiantou ter ido muito bem (acima das expectativas) em estatística, superbem em economia brasileira (dentro das expectativas), bem em macroeconomia (dentro das expectativas) e bem em microeconomia (um pouco abaixo da expectativa já que micro era meu forte durante o curso de graduação). O resultado pífio em matemática (abaixo até de minhas baixas expectativas) não me garantiu os 100 primeiros.

O objetivo de estar entre os 100 primeiros estava muito vinculado à UnB que tendia chamar candidatos de preferência abaixo dessa linha de corte e demorava um pouco a definir posição e passar para acima da linha. O cedeplar ao contrário, era minha segunda opção, mas mais incisivo e rápido na chamada. Ao ir para o cedeplar eu sairia da zona de conforto, mas nem tanto, já que sou mineiro e de família em Belo Horizonte. Uma visita ao cedeplar (ainda no centro da cidade) me mostrou um centro bem acolhedor.

Vir à Belo Horizonte foi uma escolha extremamente bem acertada. Fora um deslize ou outro o mestrado correspondeu muito bem às minhas expectativas. Pude contar com uma turma de colegas de férrea aplicação aos estudos acadêmicos. Digo que não fui tão excelente aluno quanto fui na graduação, até porque o restante da turma de 2005 era de muito alto nível, mas me saí razoavelmente bem, e com bom nível de aplicação. Os recursos do centro vinham em uma ascendente até chegar ao excelente nível de hoje, tivemos professores dedicados que souberam puxar os alunos (em um ou outro caso poderiam exigir mais e na direção correta), e entre os professores destaco minha orientadora, Ana Flávia Machado, que foi decisiva para conclusão da dissertação com sucesso, sendo laureada com o 2º lugar no XXX premio de economia do BNDES em 2008. Considero isso como um sucesso não só meu e de minha orientadora , mas também do centro e de toda minha turma.

Defendi dissertação no ínício de 2007. No período pós defesa meus planos eram de tentar um apply em alguma instituição dos EUA. Os planos eram Universidade de Austin no Texas, onde trabalhava o prof Paul. Wilson, a universidade de Illinois: Urbana-Champaing, que é forte em microeconometria e universidade da Pensilvânia, pois conhecia um professor amigo que se formou lá. Fora as duas primeiras, qualquer outra universidade norte-americana pareceria muito difícil. Pensei em Austrália, já que lá ha bons professores em eficiência-técnica (minha área), mas ir para a terra dos cangurus para outro motivo que não turismo me pareceu sem propósito, descartei a idéia.

Pois bem, afora um ou outro incentivo pontual, passar pelo calvário burocrático que é tentar uma bolsa capes-fullbright, propositadamente difícil, me desestimulou muito, não encontrei estímulos externos, o centro de economia não tem uma tradição muito forte em mandar alunos para o doutorado fora. A exceção é Illinois, porém, a formação de Illinois parecia-me boa apenas pelo carimbo USA, e pela mudança de ares, que causa um tremendo impacto de estudo, mas não tanto pela formação em si. Não sei se por conveniência ou por real maturamento, comecei a pensar que muito da formação em doutorado no exterior é um fetichismo brazilianista e que em alguns aspectos e para determinados centros a formação aqui no Brasil não deixa nada a dever as lá de fora. E hoje em dia, com papers de bons journals na internet, é cada vez mais fácil se inteirar da fronteira acadêmica sem necessitar de presença física.

De todo modo, não havia uma corrente pra frente pra alguém da nossa turma ir para fora. Tanto que até o presente momento ninguém o fez, nem mesmo dentre aqueles que reuniam melhores condições do que eu.

A essa altura foi-me promissor o doutorado em demografia. Ajudou muito o contato prévio que tive com os professores da área, enquanto que a economia parecia um tanto parada nesse aspecto de contato com as demais universidades de fora, na demografia esse isso se encontrava em franca expansão, tanto que levou à merecida nota. Além do mais, como bom microeconomista, acreditava que a demografia desenvolvia uma análise pormenorizada do aspecto micro do comportamento humano individual.

A demografia me ensinou bastante como economista, tanto no lado macro quanto em termos microeconômicos. No quesito macro, depois de estudar demografia alguns movimentos oscilatórios da economia, preferências sociais e propriedades emergentes de resultados se tornam bem mais claros. Na verdade, passa a ser incrível, como tantos e tantos macroeconomistas desprezam a importância do componente demográfico. Em um lado mais geral o que a demografia ensina é uma noção de sistema dinâmico, os economistas até hoje se debatem com isso, mas na demografia está tudo lá, é tudo dinâmica. E é perfeitamente possível extrapolar o estudo da demografia não só para o contigente de contagem humana, mas sim para as relações humanas e as coisas que importam para vida sobre a Terra e em sociedade. Um exemplo claro:

"É impossível pensar demanda habitacional sem pensar o movimento populacional".

"Isso é óbvio!" - dirão alguns economistas pejorativos, no entanto, mesmo para demanda habitacional os economistas tratam muito mal o assunto (com execeções para algumas áreas, em particular, previdência e saúde). E depois que se pensa em habitação, não há porque não pensar também em efeitos no mercado financeiro, crédito, na formação de capital humano, no câmbio, previdência, nos preços, consumo de bens duráveis, investimentos, saúde, enfim, 'n' outros motivos visto que citei apenas os mais imediatos. Incrivelmente os economistas não inserem quase nada desse componente das populações em seus modelos macro e hoje me parece um extremo absurdo conversar macroeconomia sem inserí-los.

Do lado micro, em demografia se vê técnicas mais aplicadas às comparações entre indivíduos, caracterização de grupos. Enfim, o tratamento dos microdados foi o que mais me atraiu, assim como a diversa caracterização de nuances na escolha individual sobre a qual os demógrafos se debruçam. Sob certos aspectos a demografia em certos momentos me parece mais científica, pois não há teses científicas a serem confirmadas, mas um conjunto de hipóteses sobre os dados que precisa ser testada. O fato da demografia não ter uma teoria só, mas um conjunto de conceitos e evidências empíricas regulares, que buscam uma teoria ou um conjunto delas para explicar-lhes, constitui, a meu ver, um progresso e uma análise mais isenta do que aquela que ocorre em vários momentos para economia no Brasil.

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* Bem verdade, que há vários economistas pouco criativos aí no mercado, e alguns que se dizem economistas mas não passam de meros embusteiros pouco embasados, isso se atém aos maus profissionais, assim como há maus médicos, engenheiros, advogados, arquitetos, agronomos, etc... Um pouco de educação econômica geral, ajudaria a sociedade a distinguir o joio do trigo nessa matéria.

** Felipe Bardella mostrou acadêmicamente porque isso pode ser considerado interessante. O sistema de escolhas da ANPEC pode ser visto como um mercado de dois lados, Bardella mostrou como podem ocorrer matchings e atrições na escolhas das instituições e seus alunos e dos alunos e suas instituições. Clique aqui para a dissertação.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um 'Threshold' para a velocidade no Trânsito


Mês passado levantei um ponto sobre a polêmica de flexibilização do horário da Voz do Brasil. Pois bem, desde então tenho me dedicado a ouvir com boa vontade o Jornal oficial. E tenho de admitir que algumas informações são interessantes e "as vezes" a matéria quando coloca mais de um ponto de vista, não só aquele o do deputado autor do projeto, fica boa.*

Foi esse o caso da reportagem do jornal da câmara de hoje (15/09/2010) que apresentou a polêmica do deputado José Airton Cirilo (PT-CE). Que apontou um argumento bastante escutado no senso comum, de que os radares de trânsito para controle da velocidade ficam escondidos em pontos estratégicos para gerar máxima arrecadação e não para educar.

Sim, já cansei de ouvir dos taxistas que é uma sacanagem colocar radares escondidos e em pontos de descida onde a velocidade é maior. Eu mesmo, que gosto de aproveitar descidas para economizar gasolina, não gosto deles. E sim, uma empresa com objetivo de lucro vai colocar radares que maximizam receita.

O projeto do deputado é de que não haja nenhum radar sem a referida sinalização. Pode haver radar desde que sinalizados. Bem, o jornal trouxe o contraponto do prof. Paulo César Marques da Silva da engenharia civil e ambiental da UnB. O ponto contrário é o de que esse projeto encara o radar como mero redutor de velocidade, uma espécie de "quebra-molas" ou contrle eletônico de velocidade, a sinalização do local faria com que os motoristas reduzissem apenas ali no ponto.** O prof. bem lembrou que o radar tem função de fiscalizar o trânsito e de que a velocidade vale para toda a via. E pensando dessa forma, o local onde o radar está é indiferente, pois os motoristas deveriam trafegar dentro do limite da via durante todo o trajeto.

Mas como todo motorista observador deve saber, o que ocorre com os radares de aviso é que a maioria dos motoristas só diminuem a velocidade na presença do radar, quem gosta de correr pisa no acelerador logo depois de passar o "pardal" e até os que andam na velocidade mediana aceleram um pouco. O que ocorre aí não é tanto um problema de onde está um radar, mas sim qual é a velocidade de trafego que se impôe na via.

Há vias de 60Km/h que se pode desenvolver com segurança a 70Km/h. E em alguns casos é possível encontrar vias em que o limite máximo está muito acima daquele que seria seguro A pergunta interessante é: seria viável em termos de tempo andar sempre a 60Km/h nas vias viscinais de pista dupla ou tripla? Em muitos casos as pessoas parecem concluir que não, e então desenvolvem uma velocidade um pouco maior a maior parte do tempo.

Em Brasília, um bom exemplo é a L5. A L5 é um samba do criolo doido, tem trechos em que o limite está visivelmente acima do que seria bom para a segurança e em outros que está visivelmente abaixo. Os eixinhos são também bons exemplos, creio que quase metade dos motoristas desenvolve ali velocidade acima de 60Km/h. No eixo munumental (seis pistas e velocidade de 60Km/6) e nas vias para o Guará I e II, Aguas Claras e demais pontos, nem se fala.

O que cabe, então, para as vias e radares é adotar limites de velocidades flexíveis de acordo com cada trecho. Isso vai contra o Código Nacional de Trânsito, que tem uma lógica própria para os limites de velocidade em cada tipo de via. Estradas, avenidas principais, viscinais, alamedas, etc... Mas o que ocorre é que esses limites estão ultrapassados. A estatística e a tecnologia podem nos ajudar muito nesse quesito de estabelecer a velocidade mais apropriada.

O que a sociedade tem que estabelecer é qual o limite de velocidade julga tolerável e qual é o limite do muito arriscado. Imagine que vamos observar 1.000 carros durante uma hora em um trecho sem radar e com fluxo normal do eixo L em Brasília. Bom, eu criei um processo gerador de carros baseado em um Poison com média 60Km/h e apliquei um pequeno distúrbio, considerando um pequeno grupo de 1% que gosta de dirigir a uma média de 90Km/h.

Em uma das realizações, o motorista que passou mais lento obteve uns 32 Km/h e o mais rápido passou a quase 90Km/h (devia estar pensando que estava no eixão). O gráfico abaixo mostra o número de carros em cada segmento.

Nessa situação a velocidade média foi realmente de 60.1Km/h, a mediana ficou aí perto e o desvio padrão em torno de 8Km/h. O interessante é a sociedade decidir a quem deve punir: os 20% mais apressadinhos, os 10%, os 5% ou apenas aqueles 1%?! O limite de velocidade não deve ser a média, pois assim, o radar passa a funcionar como uma barreira e há casos onde uma simples barreira é melhor do que o radar (próximo de escolas por exemplo).

Se escolhessemos multar os 20% acima o limite do exemplo seria 67.2 (o que é muito próximo da realidade, já que os radares têm uma tolerância de 10%).

Se escolhessemos multar só os 10% acima, o limite deveria ser 71Km/h. E para o caso de 5% e 1% as velocidades de tráfego seriam 74Km/h e 81.4Km/h, respectivamente.

Nessa proposta, a grande sacada não é colocar um limite de velocidade para toda a via que seja algo próximo da média e avisar o motorista quando tem radar, mas sim adotar um limite mais factível para toda a pista e pegar quem realmente estava correndo. Dessa maneira seria tanto melhor se os radares fossem ocultos, pois assim, com uma proporção adequada de captura dos infratores, os indivíduos respeitariam mais o limite da velocidade.

E as companhias de trânsito, tentando adotar uma estratégia de maximização de lucros fariam um serviço social, já que seria de seu interesse se esforçar para pegar motoristas trapaceiros do limite. A sociedade teria de estar sempre de olho para a companhia não alterar o threshold estipulado para cada trecho.

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* Meu porém, então, só fica pela falta de opção no horário o que não é um bom princípio. É como chegar no supermercado e ter apenas um tipo deproduto para escolher.

** Os radares são muito melhores do que os quebra-molas pelo seguinte princípio: no quebra-molas todos pagam pelo comportamento de uns poucos que gostam de correr. Mesmo o indivíduo que trafega dentro do limite, terá de freiar. No radar paga somente aquele que infrigiu a lei, o custo não recai sobre todos os motoristas.

OBS_1: A rotina está disponível nos comentários.

OBS_2: A geração de dados aleatórios que desenvolvi pode levar ocasionalmente a valores extremos como 140 Km/h com alguma probabilidade e o histograma vai ficar um pouco "achatado". Mas não se assuste, a rotina continua valendo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Ciência Econômica em seus mínimos necessários pressupostos

A economia como parte das ciências sociais sofre muitos e variados ataques. Muitos deles construtivos e vindos de pessoas céticas que se preocupam realmente com o "valor" (o peso científico) dos "achados" da economia. Será que o livre mercado beneficia mesmo a todos?! Empresas privadas ou estatais?! Câmbio livre-flutuante ou controlado?! O salário mínimo melhora a vida das pessoas?!

Para todas essas perguntas há zilhões de respostas, para um economista mais pragmático, nem tantas, mas não vou me ocupar aqui em respondê-las, estudem por si mesmos quem tiver interesse. Minha preocupação aqui é a pergunta que não quer calar: "Seria a economia realmente uma ciência ou uma crença de valores?" Em particular, alguns ataques à economia alegam que há um excesso de pressupostos, suposições irrealistas ou rígidas demais, racionalidade imperfeita e alguns outros pontos que cientistas de outras áreas e metodólogos da própria economia levantam.

Alguns destes estudos estão relacionados ao final do post. Porém não vou enredá-los aqui por economia de tempo, de espaço e paciência dos que já estão carecas de saber desses assuntos para os quais acredito que serão os principais leitores aqui do Blog.

Mesmo não sendo especialista na área, acho relevante e útil pensar sobre o assunto, pois é preciso ter compromisso com o que se está dizendo e propondo como uma teoria econômica positiva. Tendo isso em conta, compreendo que hoje se entende ciência como uma manifestação social, com suas regras particulares. Depois de Thomas Kuhn e sua revolução paradigmática de como interpretar ciência, não é possível passar ao largo de seus constructos sociais relevantes e que vigoram dentro do saber científico. Nenhuma ciência é isenta, caso recente e exemplar dessa fragilidade científica são os tremendos furos do relatório do IPCC, por exemplo.

Outro ponto que hoje é consenso: toda ciência se apóia em pressupostos não falseáveis. Isso é uma pancada no rim de K. Popper. "E de onde surgem tais pressupostos?" Popper nem sequer imaginou em nos explicar. Porém, o cara não estava tão por fora assim, o falsificacionismo parece ser uma boa ferramenta. Tomados os pressupostos-chave como dados (ou axiomas, como desejarem), a ciência deve se manter coerente e rigorosamente lógica e capaz de gerar proposições falseáveis, ou seja, que testem a sua funcionalidade. Foi nessa idéia em que se apoiou Lakatos, discípulo direto de Popper.

Quais seriam os pressupostos mínimos da economia mainstream?!

Por que mínimos?!

- Sim, os pressupostos devem pertencer a um mínimo conjunto necessário para a construção do arcabouço teórico e lógico com proposições falseáveis (navalha de Occam).

Em busca de tais pressupostos mínimos, não é possível descartar tantas revisões pelo qual a economia mainstream passou nos últimos anos 40 e 50 anos: racionalidade imperfeita, modelos de informação assimétrica, modelos de capital humano, restrição de crédito, preços hedônicos. Estou ciente dos aprimoramentos, inclusive, acompanho de perto a evolução de alguns deles, mas não tão de perto os avanços da economia comportamental.

Qual é o hardcore mínimo (o núcleo duro) sobre o qual um economista mainstream, que se denomina como tal, pode fiar? Mais ainda, lanço uma provocação: quais são os pressupostos que separam os economistas dos não-economistas, e se você não aceita alguns desses pressupostos operacionais, você deixa de ser um economista?!

Então, à semelhança de Euclides, eu elaborei, de acordo com o conhecimento vigente, cinco pressupostos que acredito serem mínimos para desenvolver toda a ciência econômica (ambicioso, não?!). Sim, mas não tanto pois, são passíveis de revisões críticas, sugestões e xingamentos. Para cada um dos pressupostos há uma pequena explicação interpretativa não limitadora do que é, e de como o pressuposto se aplica. Nos curtos parágrafos debaixo de cada pressuposto, procuro explicar um pouco a nomenclatura, mais para esclarecimento do leitor leigo do que qualquer outra coisa, pois os pressupostos geram teoremas, mas para eles próprios não cabem provas.

Reforço que apesar da leitura metodológica, tais pressupostos são propostos por mim mesmo, e chamo aqui responsabilidades sobre todos os ônus e bônus:

pressuposto 1:

1. "O comportamento humano é modelável".

- Quebrar esse primeiro postulado é dizer que as pessoas não se sujeitariam a regra nenhuma. Não haveria sinais de trânsito, você não teria preferências sobre nada, um dia usaria roupas, outro dia não, seus hábitos de consumo, trabalho, lazer não teriam nenhum padrão, ou seja, você não conseguiria adquirir nem ao menos um processo de linguagem, um ser humano completamente aleatório em todos os seus comportamentos. Não é assim que parece ocorrer na realidade, o modelo para comportamentos não é completo pois as variantes são infinitas, mas podemos dizer que as pessoas seguem padrões até quando querem subverter padrões. Não é um pressuposto exclusivo da economia, acontece em outras áreas das ciências sociais e humanas, a ciência humana que mais extrapola seus limites é a antropologia (Lévi-Strauss).

pressuposto 2:

2. "As pessoas fazem o melhor para si".

- Esse é outro postulado bem operacional. É possível encontrar pessoas que não fazem o melhor pra si, isso se torna mais evidente se inserirmos modelos que admitem erros (quem nunca errou um caminho mesmo com um mapa na mão, ou mais modernamente, com um GPS?). Problemas cognitivos atuam e existem 'n' restrições mais. Masoquistas e suicidas acreditam que os seus atos são melhores pra si mesmos, o que não é verdade no olhar dos outros, mas isso não interessa ao economista, na perspectiva própria, eles estão fazendo o melhor para si mesmos. E lembrem-se que é um postulado, se aproxima bastante da realidade e, como postulado, não está sugeito ao falsificacionismo, mas sim à mudança caso queira inventar outra ciência. A economia comportamental ou behaviorista, adota o pressuposto de que a formação do que é melhor para si é influenciada por grupos, e mesmo que isso leve a erros, continua forte o pressuposto 2. É possível abrí-lo para essas outras restrições atuantes. Ademais, quanto mais frequentes e maiores os erros admitidos em um modelo com o pressuposto 2, mais se pode distanciar de algum equilíbrio, porém, observe que o equilíbrio não será assumido em nenhum dos meus cinco pressupostos.

pressuposto 3:

3. "Os recursos são escassos".

- A ciência econômica trabalha com recursos finitos. Esse é um postulado bem razoável, a Terra como uma esfera, é limitada em diâmetro e volume. O universo pode ser finito ou infinito, os físicos ainda investigam, mas para fins práticos da ciência econômica, o universo infinito não cabe em nossas necessidades mundanas. E economia é uma ciência mundana. No entanto, esse postulado não é tão óbvio quanto pode parecer a primeira vista, muito já se aprendeu sobre como interpretá-lo. Há recursos visíveis: terra, água, petróleo, minério, florestas e mais todos os bens tangíveis que podem ser transformados pelos homens e que são invariavelmente finitos. Porém, há recursos invisíveis também finitos. O conhecimento humano é o principal deles. O conhecimento humano é finito, podemos discutir até onde ele vai chegar no longo prazo, como medi-lo, etc. O que os modelos de Capital Endógeno fazem é supor um conhecimento humano infinito ou senão sempre crescente. Na idade média, a humanidade não sabia o que era petróleo, o conhecimento limitava essa exploração. Esses recursos, mesmo que existentes, eram irrelevantes. Pela via do conhecimento é possível que ampliemos os recursos disponíveis. Isso é o que modernamente chamamos de saltos tecnológicos.

pressuposto 4:

4. "Os recursos escassos podem ser repartidos".

- As diferentes frações e propriedades distintas dos bens determina os preços de troca (nominais ou não) responsáveis pela alocação de recursos. Os recursos são divididos de acordo com regras de propriedade. Porém os indivíduos são livres para negociá-las. Parte importante dos recursos não pode ser repartida individualmente ou no âmbito familiar o que se constituem bens comuns, que requerem um regime especial de trocas.

pressuposto 5:

5. "Cooperação para conflitos entre choque de preferências".

- A busca pelo melhor individual de uma pessoa pode se opor a busca da preferencial de outrem. Quando o direito de propriedade individual é ameaçado pelos interesses de segundos e terceiros, é necessária uma solução cooperativa, geralmente provisionada por uma terceira parte. Essa terceira parte podem ser leis, instituições, ou mesmo um acordo mútuo coordenado.

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Esses cinco simples pressupostos foram construídos de forma a deixá-los o mais livre possível de fortes afirmações não observadas na prática diária do comportamento das pessoas. Eles tem a pretensão de serem ahistóricos e universais, e isso é um ponto fraco e uma crítica que se pode fazer. Mas esses devem ser os propósitos de pressupostos científicos: devem ser atemporais e acríticos. Convido os leitores a fazer um verdadeiro esforço de validação. Aqui não cabe a falsificação lógica ("falseamento"), mas sim a rejeição por sentidos práticos ou a adequação (também por sentidos práticos) de alguns do pressupostos.

Observem que não há maximização, mas ela cabe dentro dos pressupostos. Aqui não há racionalidade maior do que procurar o bem para si mesmo (lembrando que esse bem para si mesmo envolve uma perspectiva mais ampla que inclui desde o altruísta até o masoquista). Não há equilíbrio parcial nem geral, mas ele pode ser incluído. Não há preços nominais, mas também nos os exclui. Enfim, é o consenso mais geral que pude formular até o momento. Não há função de utilidade, não há lei dos rendimentos marginais decrescentes, não há função de produção, lucros, custos não há nada disso. São pressupostos gerais mesmo!

Tenho consciência também de que essa maneira de organizar os pensamentos em pressupostos não é a única exclusiva, e nem é mais científica que as demais. A crítica de Hayek (1979) está incorporada, não estou simplesmente 'macaqueando' conceitos de outras áreas, apenas tentando estabelecer um core pragmático.

Para mim, as perguntas chaves são:

- Com esses cinco pressupostos é possível construir toda a economia teórica mainstream?
- Há mais pressupostos necessários?
- Há menos pressupostos necessários?
- Não seriam pressupostos vagos demais? (Aqui cabem provas, pois os teoremas e demais axiomas devem ser derivados desses pressupostos, isso requeriria uma agenda de pesquisa colossal de provas dos teoremas importantes da economia)
- Quais são os teoremas importantes da economia?

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Referências para consulta:

Blaug, M. "Metodologia da economia; ou como os economistas explicam". São Paulo: Edusp, 1993.

Backhouse R. E.; Boianovsky, M. "Whatever Happened to Microfoundations?". Encontro Nacional de Economia ANPEC, 2006.

De Paula, J. A.; Crocco, M.; Cerqueira, H.; Albuquerque, E. d M. "Conhecimento e interesse em Economia" Texto para Discussão Nº 178, cedeplar - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, UFMG. 2002. http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20178.pdf

Economist, The. "It's mine, I tell you: Mankind's inner chipanzee refuses to let go. This matters to everything from economics to law". The economist print ediction. Jun, 19, 2008.

Friedman, M. The methodology of positive economics. In: Essays in positive economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953.

Hayek. F. A. "The Counter-Revolution of Science: studies on the abuse of reason". 1979. Liberty Fund.

Klamer, A. “Conversas com economistas: os novos economistas clássicos e seus opositores falam sobre a atual controvérsia em macroeconomia”. Pioneira: São Paulo, 1988.

Klamer, A. McCloskey, D.; Ziliak, S. "The Economic Conversation" e-book interativo:
http://www.theeconomicconversation.com/

Krugman, P. "What undergrads need to know about trade?" American Economic Review, Vol. 83, No. 2, Papers and Proceedings of the Hundred and Fifth Annual Meeting of the American Economic Association, May, 1993.

Kuhn, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.

Martini, R. A. “Os programas de pesquisa lakatosianos e a metodologia da economia neoclássica:
contribuições e críticas”. Encontro Regional de Economia. 2008.
http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2008/docs/os_programas_de_pesquisa.pdf

McCloskey, D. "The Secret Sins of Economics. Prickly Paradigm Pamphlets (Marshall Sahlins, ed.) University of Chicago Press, 2002.

Pin, C. "Preços e Livre Arbítrio: da ordem sensorial à ordem espontânea em Hayek". Dissertação no mestrado em economia da Universidade de Brasília, UnB, 2009.
http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/4309/1/2009_CedricPin.pdf

Popper, K. "The Logic of Scientific Discovery" Routledge, 1977.

Ward, Benjamim. O que há de Errado com a Economia? Rio de Janeiro; Zahar Editores, 1975.